Sindicato ameaça greve histórica contra montadoras nos EUA nesta sexta

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS ) – Atores e roteiristas de Hollywood, faxineiras de hotéis, atendentes das redes Starbucks e McDonald’s, funcionários de hospitais —essas são algumas das categorias envolvidas nas 270 greves que os Estados Unidos registram só em 2023. Nesta quinta (14), mais uma pode se juntar a eles: a dos trabalhadores da pioneira indústria automotiva americana.

Se um novo acordo não for fechado até as 23h59 deste dia, a United Auto Workers (UAW), organização que representa os empregados, promete declarar uma greve histórica na sexta (15) contra Ford, GM e Stellantis. Seria a primeira vez que as três montadoras veriam seus trabalhadores cruzarem os braços ao mesmo tempo.

Nas últimas semanas, o sindicato tem promovido “ensaios de piquete” e, na segunda (11), abriu as inscrições para trabalhadores em greve receberem um pagamento de US$ 100 por dia —o sindicato tem um fundo de US$ 825 milhões, suficiente para uma paralisação de 11 semanas, segundo estimativas.

Mais que maiores salários e melhores condições de trabalho, o sindicato quer garantir que os trabalhadores não sairão perdendo com a transição da indústria para a produção de veículos elétricos.

A nova tecnologia exige menos mão de obra do que carros movidos a combustíveis fósseis —uma redução que chega a 30% do quadro, segundo estimativas do setor. Funcionários de fábricas de baterias, muitas delas comandadas por empresas estrangeiras, ou por americanas em parceria com estrangeiras, também ganham menos, e muitos deles não são sindicalizados.

“Eu faço um paralelo entre eles e os roteiristas que estão em greve agora. Eles têm de lidar com avanços tecnológicos como a inteligência artificial e o streaming, que não podem ser ignorados. Mas, ao mesmo tempo, os direitos e a segurança dos trabalhadores também não podem ser ignorados”, diz Mark Pearce, diretor do Instituto de Direitos Trabalhistas da Universidade Georgetown, em Washington, e ex-presidente da NLRB (agência federal de relações trabalhistas).

A demonstração de força é um ponto de virada na história da UAW, fundada nos anos 1930 como uma poderosa força política, mas que vinha em declínio havia décadas, conforme a perda de peso da própria indústria nacional americana.

Com sede em Detroit, a UAW representa hoje 143 mil trabalhadores do setor. No comando está Shawn Fain, escolhido em março na primeira eleição por votação direta na história da entidade. Ele derrotou nomes tradicionais do movimento por uma diferença de menos de 500 votos, prometendo uma postura mais dura do que seus antecessores.

Na lista de demandas do sindicato para as montadoras, estão um aumento salarial de 46% ao longo dos próximos quatro anos, proteção dos ganhos contra a inflação, fim dos contratos temporários e o retorno de contribuições para planos de aposentadoria, assim como da cobertura de plano de saúde para os aposentados.

A UAW surfa na onda do impressionante mercado de trabalho americano no momento —a taxa de desemprego está em apenas 3,8%. O cenário é o oposto daquele registrado na crise de 2007/2008, que derrubou o setor e obrigou os trabalhadores a fazerem uma série de concessões —que eles tentam reverter agora.

“A UAW também testemunhou uma campanha salarial muito bem-sucedida dos motoristas da UPS”, diz Pearce. “A preocupação é que grande parte desse trabalho de produção não está apenas sendo transformado localmente, mas também está sendo transferido para plantas não sindicalizadas no sul, no México e na China.”

O sindicato argumenta que as montadoras vêm registrando lucros recordes desde a pandemia e que receberam uma série de incentivos do governo para migrarem para a produção de veículos elétricos.

O presidente Joe Biden aposta na transição para uma economia verde como uma das plataformas para sua reeleição. Por isso, o sindicato até agora não endossou a candidatura do democrata.

A Casa Branca vem acompanhando de perto as negociações, dividida entre o apoio ao movimento trabalhista, mas também ao impulso a veículos elétricos.

Na semana passada, Biden chegou a afirmar que uma greve não vai acontecer —e seu provável concorrente na próxima eleição, Donald Trump, tem aproveitado para dizer que os planos do democrata vão “matar” a indústria automotiva e destruir empregos.

Do lado das empresas, as montadoras afirmam que um aumento dessa magnitude dos custos trabalhistas vai prejudicar sua competitividade diante de companhias como a Tesla, cujos funcionários não são sindicalizados, e drenar recursos para os investimentos necessários na produção de elétricos.

Na contraproposta, elas ofereceram aumentos de 14% a 16%.

“As indústrias de Detroit estão vendo montadoras europeias como Volvo e Polestar oferecerem novos modelos elétricos, assim como as chinesas Nio e BYD. A capacidade das americanas continuarem competitivas nesse mercado em transformação vai depender do acordo trabalhista com a UAW e como ele se compara com os de outras montadoras”, diz em artigo John Drake, vice-presidente da área de transportes da Câmara de Comércio americana.

Uma greve de dez dias levaria a uma perda de US$ 5 bilhões, concentrada no estado de Michigan, que abriga o setor. Uma paralisação contra a GM em 2019, por exemplo, levou a uma recessão trimestral da região.

Jay Timmons, presidente da Associação Nacional da Indústria (NAM, na sigla em inglês), alerta ainda para impactos no restante da cadeia, caso uma greve seja de fato declarada. Ao atingir fornecedores de pequeno e médio porte, trabalhadores não sindicalizados —ou seja, sem acesso ao fundo da UAW— seriam impactados.

“A UAW quer tirar vantagem do mercado de trabalho aquecido e da lucratividade das empresas para reverter concessões passadas. As empresas estão caminhando para a produção de elétricos, que vai exigir menos empregados e qualificações diferentes”, escreve Peter Berg, professor de relações de trabalho da Universidade Estadual de Michigan. “Esta negociação é a luta pelo futuro da indústria automotiva.”

FERNANDA PERRIN / Folhapress

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