SINTRA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – No finzinho da tarde, quando o céu começa a ganhar tons de vermelho e laranja, é hora de uma pausa para compensar a ausência do almoço num dia corrido. Paramos no Café Caracol, na aldeia de Malveira da Serra, povoado que fica em meio às montanhas do Parque Natural Sintra-Cascais, numa região próxima da costa marítima portuguesa.
Estamos a cerca de 30 km da capital, Lisboa, e, acredite, não há sinal de turistas nesse lugar cujo topônimo refere-se ao campo de malvas situado na localidade. A densa floresta que envolve a região concentra aproximadamente mil espécies nativas e outras oriundas de diferentes cantos do planeta, explorados, outrora, por navegantes portugueses.
Dentro do café, alguns proseiam junto ao balcão. Uma molecada joga cartas e o pessoal que está voltando do trabalho encara uma sinuquinha. Entre eles, um grupo de vovôzinhos transita pelo salão como se não houvesse um relógio na parede marcando as horas.
Por um sanduíche de presunto cru português com queijo, mais um refrigerante, pagamos inacreditáveis 3,50. Além da economia impensável numa região que a cada temporada bate recorde de visitantes, a parada serviu para observar um pouco a vida lusitana fora do ângulo turístico.
O dia tinha sido corrido, sem tempo para se sentar à mesa, depois de gastar bastante energia batendo perna por Sintra, cidade que, como nos tempos da corte, vive do turismo. Ela era o ambiente de veraneio da realeza, perfeita para se refrescar nos meses de verão, devido à sua proximidade do Atlântico -ou, sabe-se lá, para escapar de pestes.
Um dos lugares mais curiosos de Sintra, patrimônio cultural da Unesco, é a Quinta da Regaleira e seu bosque -os ingressos custam de 7 a 12. O palácio foi utilizado como residência de poderosos barões e membros da nobreza.
A edificação, obra do arquiteto italiano Luigi Manini (1848-1936), é eclética, com enfoque nos estilos manuelista, renascentista, medieval e clássico. Pintor, ele era considerado “o cenógrafo da fantasia e do sonho” e trabalhou no Scala, de Milão. É quem também assina o projeto do Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa.
A Quinta oferece um passeio que reúne tanto atrações de aspectos históricos quanto uma experiência natural pela exuberante paisagem, com suas grutas, seus lagos e árvores.
O que mais atrai a atenção do visitante é um espaço conhecido como Poço Iniciático, nome que teria vindo de uma provável associação a ritos maçônicos de iniciação, gostam de contar os guias locais. No fundo do poço, é possível observar um dos símbolos da maçonaria, uma cruz templária, gravado no chão.
Torre invertida construída com uma escadaria em espiral, o poço tem 27 metros de profundidade, que levam o visitante a túneis em diferentes áreas. É uma experiência que propicia uma imersão em um labirinto às escuras, digamos assim.
Nele, com calma e certa precaução (há trechos muito escorregadios), passamos a trilhar passos que, na concepção da obra, trariam “luz e conhecimento” a quem o visita. O trajeto até o fundo revela os encantos do lugar, mas também nos faz entrar em contato com nosso interior, nossos instintos e, ainda nas palavras provocativas dos guias, “nossas trevas”.
Outra metáfora está relacionada à ascensão ao topo. À medida que vamos nos aproximando da superfície e, consequentemente, do brilho solar, surge a sensação de que alcançamos “a luz do conhecimento”
Todo esse universo gira em torno de referências à literatura clássica. Os nove andares do poço, por exemplo, remeteriam aos nove círculos do Inferno, Paraíso ou Purgatório, retratados em “A Divina Comédia”, do escritor florentino Dante Alighieri (1265-1321).
Já a obra do português Luís Vaz de Camões (1524-1580), conhecido como poeta da fé, relaciona a Regaleira a uma “mansão filosofal”, reforçando a tradição mítica lusitana, outra informação reforçada pelos guias turísticos.
Existem, é claro, demais palacetes que merecem uma visita, como o Palácio Nacional de Sintra, do século 14. Ou, quem sabe, esticar mais uns 20 km até o Cabo da Roca, o ponto mais ocidental da Europa continental e que faz parte do Parque Natural Sintra-Cascais.
Tais paradas, contudo, podem impedir o forasteiro de se perder pelas caminhadas do parque e alcançar, assim, uma experiência nativa que não custa quase nada.
ROBERTO DE OLIVEIRA / Folhapress