Sírios são libertados após queda de regime e contam calvário de prisões

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nas ruínas da base de Mazzeh, ao sudoeste de Damasco, Riad Halak relembra as torturas que sofreu enquanto procurava provas de sua detenção naquela que foi a sede do poderoso serviço de inteligência da Força Aérea síria.

Quatro dias após a queda do ditador Bashar al-Assad, deposto no último domingo (8) por grupos rebeldes após 13 anos de uma guerra civil devastadora, Halak percorre o local onde esteve detido durante um mês.

No início de protestos contra o regime em 2011, que antecederam a guerra civil, Halak foi preso enquanto participava do funeral de manifestantes mortos pelas forças de segurança da ditadura. Com 40 anos e pai de três filhos, ele é alfaiate de profissão.

Halak conta que o amarraram e o espancaram durante um mês. Depois, a ditadura o transferiu para outro centro, onde permaneceu durante dois meses e 13 dias. “Se alguém reclamasse, eles diziam que tínhamos um tratamento cinco estrelas e ameaçavam nos transferir”, disse à agência de notícias AFP.

O ex-prisioneiro conta que deixava a cela apenas duas vezes por dia para ir ao banheiro acompanhado de um grupo de detentos. Diz ainda que tinha de dormir encostado nas paredes de concreto gelado.

Os rebeldes que tomaram o controle da base permitiram que ele entrasse atrás de provas com as quais espera ajudar outras famílias a encontrar seus entes desaparecidos.

Os rebeldes libertaram milhares de presos políticos nos últimos dias. Nas redes sociais circulam imagens de sírios reencontrando parentes dados como mortos havia décadas.

Imagens da emissora CNN americana mostram o momento da libertação de um dos presos que estava isolado em uma prisão de Damasco, a capital síria. Ao ser localizado, o prisioneiro afirma aos combatentes e à equipe de reportagem que é da cidade de Homs e que está trancado há três meses.

Assustado e tremendo, ele segura com força a mão da jornalista e é surpreendido com a notícia da queda do regime. “Você está falando sério?”, pergunta o homem, identificado como Adel Ghurbal.

Ao deixar a cela, sente alívio. “Meu Deus, a luz”, diz ao ver o céu pela primeira vez em meses. “Por três meses eu não soube nada sobre a minha família. Eu não ouvi nada sobre os meus filhos.”

Segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, pelo menos 60 mil pessoas morreram sob tortura ou devido às más condições nos centros de detenção durante o regime Assad.

Há agora bastante preocupação, fora da Síria, quanto ao futuro do país. A facção que derrubou Assad, chamada HTS (Organização para a Libertação do Levante, em árabe), é considerada terrorista pelos EUA.

Seu líder, Abu Mohammad al-Jolani, chegou a integrar a rede Al Qaeda. Desvinculou-se dela apenas em 2016 e desde então tem se esforçado em se apresentar como uma figura moderada.

Os novos líderes prometeram nesta quinta-feira (12) estabelecer um Estado de direito depois de anos de abusos sob o regime de Assad. “Todos aqueles que cometeram crimes contra o povo sírio serão julgados de acordo com as leis”, disse Obaida Arnaut, um dos porta-vozes dos rebeldes.

O novo governo pretende “congelar a Constituição e o Parlamento” durante um período de transição, a princípio de três meses, acrescentou. “Será formado um comitê jurídico e de direitos humanos para examinar a Constituição e fazer mudanças”, disse.

Questionado sobre as liberdades pessoais e religiosas, o porta-voz afirmou que os rebeldes respeitam “a diversidade cultural e religiosa” na Síria.

Não está claro, entretanto, se o HTS vai cumprir as promessas de respeitar o direito das minorias e das mulheres. O grupo tem um conhecido viés autoritário.

Halak, que ficou preso na base síria, estabeleceu uma família e teve três filhos depois de deixar a prisão. Atualmente o homem de aparência precocemente envelhecida e com uma barba grisalha bem aparada espera desfrutar da liberdade que, segundo ele, não existiu durante os 50 anos em que a família Assad comandou o país.

O ex-prisioneiro busca com ansiedade provas do período em que esteve preso e do destino de seus amigos. Ele tem dificuldade para expressar o que sente. “É difícil dizer. Não tenho palavras, não consigo falar”, diz.

Redação / Folhapress

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