SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os polvos possuem um dos sistemas nervoso mais sofisticados do reino animal, por isso são frequentemente objetos de pesquisa sobre inteligência. Agora, um novo estudo revelou a presença de uma estrutura nervosa segmentada também nos seus tentáculos, oferecendo um sistema complexo em que os nervos motores e sensoriais agem de maneira sobreposta nos braços. Essa segmentação o ajuda a coordenar melhor os movimentos e ações dos tentáculos e ventosas.
O estudo, liderado por Cassady Olson, doutoranda em Neurociência Computacional do departamento de Neurobiologia da Universidade de Chicago (Estados Unidos), foi publicado na quinta-feira (15) na revista Nature Communications.
Batizado de ANC (cordão nervoso axial), o sistema é semelhante à medula espinhal dos cordados, mas difere desta justamente porque não há uma separação de células sensoriais e neurônios motores indicando que os moluscos possuem um sistema distinto de separação dos sinais.
“Existem muitas semelhanças gerais [entre o ANC e a medula espinhal]: há uma região de corpo celular, uma de neurópilo [conjunto de partes das células neurais, como dendritos e gânglios] e fibras longas para conectar cada um dos tentáculos ao cérebro. Se você cortar um dos braços, eles continuam se movendo por conta própria, assim como alguns vertebrados conseguem andar usando apenas os circuitos da medula espinhal, indicando que grande parte da estrutura de movimentos mais básicos está contida no próprio sistema ANC ou, analogamente, na medula”, explica Olson.
“Mas com estudos mais aprofundados, encontramos diferenças significativas entre o ANC e a medula, justamente porque no primeiro as células sensoriais e motoras são sobrepostas”, disse ela, lembrando que a segmentação nos polvos não é visível externamente, como nas minhocas.
Os tentáculos dos polvos são estruturas flexíveis e complexas, capazes de se mover de forma independente e coordenada. Eles também possuem mais neurônios do que o cérebro. Segundo o estudo, a segmentação dos ANC oferece um modelo para o controle motor de tecidos moles e um exemplo inédito de segmentação do sistema nervoso em moluscos.
A descoberta ocorreu por acaso, quando Olson estava tentando fazer cortes dos braços para observar em lâminas de microscópio as ventosas da espécie de polvo-da-Califórnia (Octopus bimaculoides), mas não conseguia obter estruturas espessas o suficiente para observar em detalhe as células neurais. Ao fazer cortes longitudinais, e não transversais, identificou a segmentação.
A segmentação já era conhecida em alguns grupos de invertebrados, como nos anelídeos (minhocas, sanguessugas e relacionados), porém era amplamente debatida nos moluscos. Além dos braços, cada ventosa possui um sistema próprio, capaz de agarrar e explorar objetos e presas com precisão.
Os pesquisadores decidiram então comparar o circuito também com o de uma lula costeira (Doryteuthis pealeii) e descobriram que esta segmentação também está presente nos braços das lulas (com ventosas), mas está ausente nas partes lisas de seus tentáculos, indicando que há uma relação direta entre a segmentação nervosa e a necessidade de controle motor preciso nas estruturas flexíveis.
“Nossos resultados demonstram que múltiplos segmentos devem colaborar para o controle total do braço. Isso sugere que a contração muscular do tentáculo é suavizada por múltiplos segmentos, tornando o movimento menos brusco”, afirma a pesquisadora.
Como polvos e lulas se separaram há cerca de 300 milhões de anos na árvore evolutiva dos cefalópodes, a presença destas estruturas também nas lulas sugere que tal sistema resulta de diferentes pressões evolutivas sofridas ao longo de milhões de anos.
“Animais que se movimentam com braços e ventosas, à semelhança de alguns vermes, precisam de um tipo certo de sistema nervoso. Diferentes cefalópodes desenvolveram uma estrutura segmentar, cujos detalhes variam de acordo com suas necessidades ambientais e as pressões sofridas de centenas de milhões de anos de evolução”, disse Clifton Ragsdale, professor de neurobiologia na universidade e autor sênior do estudo.
Esses achados podem inspirar o desenvolvimento de robôs de corpo mole mais avançados, imitando a segmentação do ANC para melhorar o controle de movimentos flexíveis. “O circuito neural dos braços de polvos poderia ser usado no design de robôs que imitam tais estruturas”, afirmou Olson.
ANA BOTTALLO / Folhapress