Só 2 de cada 10 praias das capitais brasileiras estão limpas o ano inteiro

SALVADOR, BA, RIBEIRÃO PRETO, SP E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – De segunda a segunda, faça sol ou chuva, as areias da praia do Porto da Barra, em Salvador, estão cheias de banhistas. Naqueles parcos metros entre os Fortes de São Diogo e Santa Maria está um dos banhos de mar mais concorridos em uma das praias mais icônicas do país.

Também falta espaço para guarda-sóis em praias como a do Farol da Barra, Amaralina, Piatã, Itapuã e Stella Maris. Mas o oásis da balneabilidade dentre as praias da capital baiana, única limpa durante todas as semanas do ano, está no limite da cidade seguindo rumo ao norte: a Praia de Aleluia.

A tarefa de achar uma praia que seja limpa em todas as avaliações feitas no ano não é uma tarefa fácil nas capitais do litoral brasileiro. Levantamento da Folha aponta que de cada 10 praias que ficam nas capitais, apenas 2 estiveram próprias para banho durante todo o ano.

O cenário leva em conta os dados de balneabilidade das 11 capitais brasileiras que ficam no litoral. Em sua maioria, são grandes centros urbanos que enfrentam gargalos históricos na coleta e tratamento de esgoto, no escoamento das águas das chuvas e no manejo de seus rios.

Ao todo, são 337 pontos de monitoramento da balneabilidade em praias de capitais brasileiras. Deste total, apenas 47 (14%) foram consideradas boas, ou seja, estiveram limpas o ano todo.

Por outro lado, a soma das praias consideradas ruins ou péssimas no cômputo anual chega a 48% do total. Outras 31% foram classificadas como regulares, por estarem próprias em mais da metade das medições.

Levando em conta os 1.350 pontos monitorados em todo o litoral brasileiro, os indicadores de balneabilidade indicam um cenário de estabilidade na qualidade das praias em 2023 em relação a anos anteriores. Estes dados são coletados pela Folha com os governos locais há oito anos.

Neste ano, 32% das praias monitoradas do litoral do país foram classificadas como boas, enquanto 27,2% estavam regulares. As praias ruins ou péssimas somam 31,6% do total. Outras 3,4% não tiveram os dados divulgados.

A reportagem seguiu normas federais no levantamento. Um trecho é considerado próprio se não tiver registrado mais de 1.000 coliformes fecais para cada 100 ml de água na semana de análise e nas quatro anteriores.

Foram apurados dados das praias de 14 estados no período de 12 meses entre novembro de 2022 e outubro de 2023. As praias do Amapá, Piauí e Pará ficaram de fora porque estes estados não medem a qualidade da água.

Para a avaliação anual, foi adotado o método da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), que classifica as praias a partir dos testes semanais. Nos dois extremos estão as boas, próprias em todas as medições, e as péssimas, impróprias em mais da metade das medições.

Nadar em áreas impróprias pode causar problemas de saúde, sobretudo doenças gastrointestinais ou de pele, como micoses. Outros focos de contaminação, que não são considerados nesta análise, podem ser a presença de lixo na areia e o vazamento de óleo, como o que aconteceu no litoral nordestino em 2019.

Entre as capitais brasileiras, Aracaju é a com maior proporção de praias consideradas boas. Das 10 praias monitoradas na capital sergipana, 8 estavam próprias o ano inteiro. Outras duas foram consideradas regulares e nenhuma foi classificada como ruim ou péssima.

Por outro lado, capitais mais populosas, como Rio de Janeiro, Fortaleza e Salvador, têm a maioria de suas praias classificadas como ruins ou péssimas. No Rio, das 58 praias avaliadas, 4 tiveram classificação anual boa, 17 regulares e 35 ruis ou péssimas —duas não tiveram medição.

Entre as praias consideradas ruins estão os três pontos de medição no Leblon, praia da zona sul que fica em uma das áreas mais ricas e turísticas da cidade. Quem vê a água cristalina não imagina que aquele mar esteve impróprio para banho na maior parte do ano.

Pela primeira vez no Rio, o italiano Michael Mason, 64, se disse surpreso em saber da qualidade ruim da água. “Suja é Veneza. Aqui é melhor, entro na água sem problema”, diz o aposentado.

A poucos metros dele, um pai via os dois filhos brincarem no mar. Ao contrário dos turistas, o morador do bairro Valdemiro Mendonça, 47, sabe que as águas do Leblon são sujas, mas ele e a família mergulham nelas mesmo assim.

“Eu sabia, mas gostamos de ficar aqui. A água clarinha passa a sensação de que está limpa, segura”, afirmou.

Já a estudante de medicina Maria Clara Oliveira, 19, mora no Leblon há dez anos e não sabia das condições do mar que frequenta diariamente. “Às vezes, percebo ela suja, com espumas. Mas hoje estou achando ótima, e fiquei bastante tempo na água. A verdade é que não tem como evitar nesse calor que faz no Rio, e todo mundo entra.”

Em Fortaleza, a maioria das praias foi considerada péssima, ou seja, imprópria em mais da metade das medições. Ao todo, são 31 praias monitoradas na capital cearense, das quais 17 são péssimas, 6 ruins e 8 regulares. Nenhuma das praias foi classificada como boa.

O cenário é semelhante em Salvador, que teve 25 das 37 praias com monitoramento classificadas como ruins ou péssimas e 11 entre as regulares. Entre as ruins estão algumas das praias movimentadas da cidade como a do Farol da Barra, Buracão, Penha e São Tomé de Paripe. Já praias como Porto da Barra, Piatã e Ponta de Nossa Senhora tiveram classificação regular.

O baixo índice de balneabilidade é um gargalo histórico na capital baiana, afirma o engenheiro civil Luiz Roberto Santos Moraes, professor aposentado da Universidade Federal da Bahia e um dos coordenadores do estudo “Os Caminhos das Águas em Salvador”, de 2010, que se debruçou sobre as bacias hidrográficas da cidade.

Ele destaca que a quase totalidade dos rios que cortam Salvador estão poluídos —a exceção é o Rio Ipitanga, afluente do rio Joanes que contribui com uma parcela do abastecimento de água da capital baiana. São esses rios que recebem o descarte irregular de esgoto e levam a poluição para o mar ao desembocar nas praias.

“A questão é que domínio das águas superficiais no Brasil é federal e estadual. Os municípios, por não terem o domínio, não têm o menor interesse de entrar na gestão das águas e lavam as mãos. E o estado nem sempre tem interessem em atuar para fazer a despoluição e recuperação dos rios”, afirma Moraes.

Além das capitais, outros grandes centros que ficam no litoral do país também têm um histórico de praias poluídas. É o caso de Santos (SP), cidade portuária marcada por ter praias classificadas anualmente como ruins ou péssimas.

Em geral, contudo, o cenário no litoral paulista melhorou neste ano em relação a 2022, com o total de praias boas subindo de 44 para 54, dos 175 pontos monitorados. As péssimas, por sua vez, recuaram de 18, no ano passado, para 12.

Cláudia Lamparelli, gerente do setor de águas litorâneas da Cetesb, afirma que investimento em saneamento, como ampliação de rede de coleta de esgoto, e o regime de chuvas, são cruciais para a balneabilidade das praias: “Em anos muito chuvosos, as chuvas às vezes acabam se sobrepondo às melhorias feitas nas cidades”, justifica.

JOÃO PEDRO PITOMBO, MARCELO TOLEDO, ALÉXIA SOUSA E CRISTIANO MARTINS / Folhapress

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