Só queria uma vida normal, não temos culpa, diz brasileira que vive em Gaza

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Olhando pela janela de casa, Shahed al-Banna vê um céu vermelho. A jovem brasileira de 18 anos mora em Gaza. Ela diz que o ar cheira a pólvora e que sua casa dança com o tremor dos bombardeios israelenses em resposta aos ataques terroristas do Hamas.

“Vão atacar um bairro perto da gente daqui a pouco”, diz à Folha de S.Paulo, por telefone. Avisa que vai ter que fugir, ir para o lar de parentes. Está assustada. Espera que, nos próximos dias, possa ir de Gaza para o Brasil.

Há uma semana, ela tinha outros sonhos. Tinha acabado de começar a faculdade de letras. “Eu só queria estudar, viver uma vida normal, sem guerra”, Banna conta. O campus, diz, foi destruído pelos bombardeios.

As autoridades brasileiras preparam a retirada de cerca de 30 brasileiros do território, sob ataque israelense desde o fim de semana. Ao menos 830 palestinos já morreram na guerra. A perspectiva é que os bombardeios sigam pelos próximos dias. Há a possibilidade também de Israel invadir Gaza pela terra.

A operação de resgate é complexa. O governo brasileiro planeja retirar os cidadãos pela passagem de Rafah, no sul, controlada pelo Egito. O Itamaraty confirmou na manhã desta terça-feira (10) que contratou um ônibus para retirar cerca de 25 brasileiros, mas não havia detalhes do momento em que isso ocorrerá. O Egito ainda não havia dado autorização para a saída do comboio. Israel comanda as outras passagens de Gaza, que permanecem fechadas para o trânsito dos palestinos.

Israel bloqueia há anos o acesso a Gaza por terra, ar e mar. Palestinos dizem viver em uma prisão a céu aberto. O território tem cerca de um quarto da área do município de São Paulo. Vivem ali mais de 2 milhões de pessoas, em condições bastante precárias.

Banna nasceu em Gaza, mas passou seis anos em São Paulo, terra de sua mãe. Voltou para lá apenas no ano passado. Sua mãe, com câncer, queria se despedir da família. Banna está agora sob os cuidados da avó. Estão abrigadas na casa de uma tia, dividindo o quarto com 20 pessoas.

“A situação está muito perigosa”, relata. Sua família acompanha as notícias e tenta prever os bombardeios, que nem sempre são comunicados com antecedência. “Não é nossa culpa isso que está acontecendo”, afirma, em referência aos ataques do Hamas. “A gente não fez nada para merecer isso.”

Brasileiros em Gaza ouvidos pela reportagem dizem que contam com a ajuda da diáspora no Brasil para reconstruir suas vidas, quando escaparem. É o caso de Hadil al-Duwaik, 41, de São Paulo. Sua casa foi danificada por ataques recentes a um prédio residencial próximo. Ela planeja se refugiar em um abrigo da ONU, deixando todas suas coisas para trás.

“Nossas crianças estão traumatizadas”, diz seu marido, Mohammad Farahat, 43, palestino. Eles têm quatro filhos. Farahat afirma que não recebeu nenhum aviso do governo israelense de que bombardearia o prédio vizinho. Mostra fotografias dos danos na parede e nos móveis.

A comunicação com pessoas como Banna, Duwaik e Farahat é difícil. Entre outras coisas, porque o acesso à eletricidade é limitado. Banna não conseguiu carregar seu celular desde o dia anterior. Sem internet, a situação fica muito mais perigosa. Não há como saber para onde ir. Familiares na diáspora sofrem, agora, à espera de notícias.

DIOGO BERCITO / Folhapress

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