SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em mais um gesto que deverá gerar protestos entre seus pares, o premiê húngaro, Viktor Orbán, disse em carta a líderes europeus que apenas Donald Trump poderá agir de forma imediata como um mediador pela paz na Guerra da Ucrânia.
O texto foi enviado nesta terça (16) ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e foi compartilhado pelo húngaro com os outros 26 integrantes da UE (União Europeia).
Desde que assumiu a presidência rotativa da UE, no começo do mês, Orbán fez um giro de conversas sobre o maior conflito em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial (1939-45). Foi a Kiev, mas também a Moscou e a Pequim, gerando protestos dos aliados ocidentais da Ucrânia e do presidente Volodimir Zelenski.
Agora, ele completa sua intenção de tornar-se uma ponte para uma solução da guerra sacando sua melhor carta depois da boa relação com Vladimir Putin, que invadiu o vizinho em 2022, e Xi Jinping, maior apoiador do russo: Trump, a quem também visitou.
O republicano, que tem sido visto como favorito na disputa com o presidente Joe Biden no pleito de novembro, em especial após o atentado que o feriu de raspão no sábado (13), é próximo de Orbán um dos remanescentes da onda populista que varreu o mundo na metade dos anos 2010 e agora ressurge.
Sua visita a Putin, em particular, foi duramente criticada em Kiev, Washington e capitais europeias. A relação dele com o russo é antiga e de admiração mútua, além de econômica: há diversos projetos energéticos comuns.
Em todos os casos, Michel, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e diversos premiês do bloco disseram que Orbán falava por si próprio, não pela UE. A presidência temporária de seis meses tem função política e diplomática, mas não executiva.
“Eu posso dizer com certeza que logo após sua vitória eleitoral, ele [Trump] não vai aguardar pela posse, estará pronto para agir imediatamente como um mediador da paz. Ele tem planos detalhados e bem embasados para isso”, escreveu o húngaro.
Já para o rival democrata de Trump, as palavras foram poucas. Biden está, escreveu, “fazendo esforço imenso para permanecer na disputa”. O presidente “não é capaz de modificar a atual política pró-guerra” de Washington, que segundo ele foi copiada pela UE.
Michel rebateu esse ponto, comentando a carta mais tarde. Afirmou que Orbán está enganado e que a única forma de a guerra acabar é com a retirada das forças russas da Ucrânia, e não forçando uma negociação. Voltou a dizer que ele não mandato para expressar pontos de vistas pan-europeus.
O movimento do húngaro tem recebido, além de críticas, ameaças de retaliação. Seu governo já perdeu acesso a diversos fundos da UE devido às leis que amordaçaram o Judiciário local, e agora há debates sobre retirar os direitos de voto de Budapeste.
Na segunda (15), a Comissão Europeia, braço executivo da UE, barrou comissários da entidade de participar de reuniões na Hungria durante a presidência de Orbán. Isso nunca ocorreu na história do clube, cujo poder igual de voto e veto de todos os membros é um de seus pilares.
O húngaro vinha usando isso em seu favor na Otan, a aliança militar liderada pelos EUA que tem grande sobreposição de composição com a UE: 23 países europeus são integrantes dos dois grupos. Por ora, como a cúpula da semana passada demonstrou, Biden exerce sua posição majoritária.
Mas ali Orbán segurou por mais de um ano o pedido de admissão da Suécia ao clube, em troca de renovação de sua frota de caças e promessas políticas. Só retirou seu veto ao holandês Mark Rutte como novo secretário-geral da organização quando ele liberou por escrito Budapeste de seguir políticas pró-Ucrânia.
O isolamento gradual de Orbán parece apostar tudo na vitória de Trump. Se isso ocorrer, contudo, a realidade será bastante diferente: no caso da aliança militar, 70% de seu dispêndio com defesa é dos EUA. Em seu primeiro governo (2017-21), Trump afastou-se da Otan, deixando a entidade num estado definido pelo francês Emmanuel Macron como de “morte cerebral”.
Agora, o republicano diz que vai voltar a forçar uma maior participação dos europeus se eleito. A realidade desde que Putin anexou a Crimeia em 2014 é de que o número de países que atingem a meta de gasto militar de 2% do PIB passou de 3 para 23, entre os agora 32 membros do grupo.
IGOR GIELOW / Folhapress