PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – No céu, espaço aéreo fechado em um raio de 150 quilômetros em torno de Paris, à exceção de helicópteros de vigilância. Em terra, 45 mil policiais e soldados da França e de outros 43 países. Fuzis capazes de neutralizar drones a vários quilômetros de distância. Na água, mais de 80 barcos de patrulhamento, com cães farejadores. Sonares para detectar bombas nas águas do rio Sena. Barreiras náuticas com redes para impedir barcos invasores.
Pronto, a festa pode começar.
É nessas condições, mais apropriadas a um exercício de guerra que a uma confraternização internacional, que Paris realiza nesta sexta-feira (26), a partir das 19h30 locais (14h30 de Brasília), a cerimônia de abertura mais ambiciosa da história dos Jogos Olímpicos.
O aumento da tensão política global, com guerras na Ucrânia e em Gaza iniciadas depois de 2015 ano da escolha da capital francesa como sede olímpica, transformou o risco de atentado terrorista no tema predominante do noticiário sobre a cerimônia. Isso acabou ofuscando outros assuntos, como os detalhes do show e a escolha dos protagonistas da festa.
A obsessão por segurança tem a ver com o gigantismo da cerimônia, realizada pela primeira vez fora de um estádio, em um trecho de seis quilômetros ao longo do rio Sena. Thomas Jolly, o diretor artístico da cerimônia, comparou a ideia a “pegar o estádio e desdobrá-lo” como papel.
Jolly, 42, notabilizou-se por suas elaboradas e visualmente criativas encenações de Shakespeare, em festivais de dramaturgia como o de Avignon, no sul da França. Uma monumental versão de “Henrique 6º”, em 2014, com dezoito horas de duração, rodou a França e o tornou celebridade.
No final de 2022, ele foi escolhido para cuidar tanto da cerimônia de abertura quanto da de encerramento. Esta última , mais convencional, será no Stade de France.
Os detalhes da cerimônia têm sido mantidos sob sigilo, mas a necessidade de fazer ensaios ao ar livre e montar o gigantesco cenário permitiu que se tenha uma ideia do que será visto pelos cerca de 320 mil espectadores presenciais e mais de 1 bilhão virtuais, nas três horas e 45 minutos de espetáculo.
Do público total ao longo do Sena, cerca de 100 mil pagaram ingressos entre R$ 500 (em pé) e R$ 23 mil (hospitality). Os demais são convidados do governo e de patrocinadores. Oitenta telões permitirão ver mais do que um simples pedaço do show.
É sabido que haverá um desfile de embarcações de tamanhos variados, cerca de 85 ao todo. O número depende da quantidade de atletas interessados em participar. Esperam-se mais de 7.000 dos cerca de 10,5 mil competidores. Devido ao tamanho variável das 206 delegações, cada barco levará os atletas de um a cinco países. O Brasil terá seu próprio barco.
Os organizadores garantem que a ordem dos países no desfile respeitará a tradição olímpica, ou seja, a ordem alfabética do idioma local, no caso o francês, com as duas exceções de praxe: a Grécia, terra de origem dos Jogos, em primeiro lugar, e o país-sede por último.
As margens do Sena foram decoradas nos últimos dias com gigantescos adereços, típicos do estilo chamativo de Jolly, uma espécie de Joãosinho Trinta francês. Doze “quadros”, no percurso, devem exibir diferentes aspectos da cultura e da história francesas, ao longo de 17 pontes, da Austerlitz, início do desfile, à Iéna, aos pés da Torre Eiffel.
Jogos de luzes desempenharão um papel central na cerimônia, aproveitando o entardecer (o sol se porá às 21h37 locais). A Torre Eiffel, como seria de esperar, será uma das protagonistas.
Certamente será um evento mais original que a abertura da Copa do Mundo de rúgbi, também na França, no ano passado. O responsável pelo show, o ator oscarizado Jean Dujardin, 52, foi massacrado por ter apresentado uma sucessão de clichês sobre a França: a baguete, a boina à la Emily in Paris, o acordéon… Dujardin foi acusado de ignorar a contribuição de outras culturas, como a árabe e a africana.
A promessa, desta vez, é fugir do lugar-comum, para desespero dos conservadores. Jolly prometeu uma cerimônia que celebrará “a diversidade” e “a alteridade”. Para isso, contará com as contribuições da escritora de ascendência marroquina Leïla Slimani, 42, e do historiador Patrick Boucheron, 58, autor de uma história da França considerada revolucionária.
Em um país polarizado politicamente como a França de hoje, isso também promete criar novas polêmicas. Em março, a extrema-direita criticou os organizadores pela escolha da cantora Aya Nakamura, 29, nascida no Mali, para interpretar clássicos da “chanson française”. Até o presidente da França, Emmanuel Macron, saiu em defesa de Nakamura.
Uma escolha que não causou controvérsia foi a de Céline Dion, 56. A cantora canadense é um dos segredos mais mal guardados da cerimônia. Uma multidão aguardava sua chegada ao hotel Le Royal Monceau-Raffles (R$ 8.000 a noite), na tarde de terça-feira (23). Ela deve cantar o “Hino ao Amor”, sucesso de Édith Piaf.
A apresentação de Céline promete ser um dos momentos mais emocionantes, devido a seus conhecidos problemas de saúde. No final de 2022, ela revelou o diagnóstico de síndrome da pessoa rígida, um transtorno neuromuscular progressivo.
Entre os demais artistas cogitados, estão o rapper Snoop Dogg; as cantoras Lady Gaga, Dua Lipa e Rihanna; os atores Tom Cruise, Bradley Cooper e Marion Cotillard. Um clichê francês que não poderá faltar é a Patrulha da França, a esquadrilha da fumaça local.
Segundo Jolly, 98% do show será ao vivo e 2% pré-gravado. Comenta-se que um submarino será usado.
Esperam-se cerca de cem chefes de Estado e de governo. Na lista, chamam mais atenção as ausências. Brasil e EUA serão representados pelas primeiras-damas, Janja Lula da Silva e Jill Biden. O líder chinês Xi Jinping, pelo vice Han Zheng. Também não virá o presidente Volodimir Zelenski, da Ucrânia.
O segredo final da noite é a última pessoa a carregar a tocha olímpica e acender a pira. A favorita é a ex-corredora Marie-José Pérec, 56, ganhadora de três medalhas de ouro, nos Jogos de Barcelona-1992 e Atlanta-1996. Corre por fora o ex-ídolo do futebol Zinedine Zidane, 52, que nunca disputou uma Olimpíada, mas mora no coração dos franceses devido aos dois gols de cabeça que tiraram do Brasil a Copa do Mundo de 1998, em pleno Stade de France.
ANDRÉ FONTENELLE / Folhapress