Sob o som de drones, moradores de Beirute se preparam para próximo bombardeio de Israel

BEIRUTE, LÍBANO (FOLHAPRESS) – Pouco antes do meio-dia, drones de Israel voltaram a sobrevoar Beirute, após 48 horas de trégua. O som alto do aparelho aterroriza os moradores do bairro de Basta, de maioria muçulmana xiita, mas com grande população sunita.

“Está ouvindo? Eles estão preparando mais um ataque contra nós”, diz à reportagem a vendedora Khadija Ismail, 70. Khadija mora a 50 metros de três prédios que foram destruídos por ataques aéreos israelenses quatro dias atrás, na quinta-feira (10), matando ao menos 22 pessoas e ferindo 117. Ela estava orando quando ouviu um barulho muito alto e as paredes de seu apartamento tremeram.

Foi o primeiro grande ataque de Israel no centro de Beirute, que havia sido poupado até então. A maior parte dos bombardeios israelenses tem ocorrido no sul do Líbano, próximo à fronteira com Israel, ou no subúrbio xiita ao sul de Beirute, em Dahiyeh, o bastião da milícia Hezbollah. Lá os israelenses mataram o líder da facção, Hassan Nasrallah, em 27 de setembro, com um mega-ataque aéreo.

Israel usa drones (chamados por alguns libaneses de MK, do modelo Heron MK) para localizar alvos e colher informações antes de um bombardeio.

No ataque em Basta, o alvo era Wafiq Safa, genro de Nasrallah e uma espécie de porta-voz do Hezbollah que era também encarregado de contatos parlamentares. Sua morte não foi confirmada.

Analistas dizem se tratar de uma nova fase nos ataques de Israel. Após dizimar as lideranças militares da facção, Tel Aviv se volta agora contra dirigentes civis.

Na tarde desta segunda-feira (14), uma bandeira amarela do Hezbollah, com os dizeres “Não vão nos humilhar”, tremulava por cima dos escombros dos prédios destruídos na rua Mamoun, a pouco mais de 1 km do Parlamento libanês.

A reportagem obteve autorização de representantes do Hezbollah e do Amal (o outro movimento xiita com representantes no Legislativo) para entrar na área e fotografar. Não houve nenhuma restrição ou controle para fazer as entrevistas.

“Tem muito mais gente morta aí embaixo dos escombros”, dizia o taxista Osama, enquanto olhava para seu Honda CR-V destruído, com o teto afundado e as portas retorcidas. Seu vizinho Walid –os dois moram em um prédio a poucos metros de distância do local do bombardeio— lamentava a morte de conhecidos.

“No primeiro andar, morava uma senhora muito simpática, todo dia ela me cumprimentava quando eu passava. Morreu a família toda”, disse. Segundo ele, a família não tinha nenhum vínculo com o Hezbollah.

Os dois dizem que têm medo de mais ataques, mas não vão deixar o bairro. “Não adianta sair daqui, estão atacando em todo lugar”, diz Walid.

Os bombardeios em bairros de Beirute antes considerados seguros espalham o medo pela cidade. Os filhos de Khadija Ismail querem que a mãe saia do país, mas ela resiste. “Estou assustada, nunca tinha visto algo assim tão forte, nem em 1982, nem em 2006”, disse, referindo-se aos dois grandes conflitos anteriores entre Israel e Líbano.

No resto da cidade, predomina uma falsa sensação de normalidade, a não ser pela visão de multidões de deslocados internos dormindo em escolas, abrigos improvisados e nas ruas. Segundo a Organização Internacional para as Migrações, há ao menos 400 mil que saíram de casa devido à ofensiva israelense em todo o país, ou 8% da população. É como se no Brasil houvesse 16 milhões de deslocados. O governo libanês fala em até 1 milhão de pessoas nessa condição. O trânsito da cidade ficou mais caótico do que o normal graças a esse fluxo e os milhares de carros estacionados em todos os lugares.

À noite, ouvem-se e, às vezes, veem-se as explosões em Dahiyeh. A estudante Mariam Radi, 26, mora perto do bairro central de Hamra e não sentiu muita mudança desde o início da guerra. Exceto por dois motivos –o início de suas aulas na faculdade, onde estuda licenciatura em inglês, foi adiado, pois as instalações estão abrigando deslocados internos. E muitos de seus amigos saíram de Beirute ou do país. Mas ela sempre escuta os estrondos. “Nunca tinha sentido um bombardeio tão perto.”

Com a chegada de libaneses de Dahiyeh, do sul do Líbano e do vale do Bekaa, onde há muitos vilarejos de maioria xiita que estão sendo alvejados por Israel, há receios de que as forças israelenses passem a atacar de forma sistemática prédios em qualquer bairro por suspeitas de que abrigam integrantes do Hezbollah ou facções aliadas.

Em alguns bairros cristãos, há relatos de moradores que estão se recusando a deixar famílias com mulheres de hijab, o véu islâmico, ficarem nos prédios.

A crise recente no Líbano começou quando dezenas de pagers e walkie talkies de membros do Hezbollah explodiram, deixando 32 mortos e mais de 5 mil feridos, muitos deles cegos ou sem as mãos. A operação, ocorrida em 17 e 18 de setembro, foi atribuída à inteligência israelense.

A partir daí, Tel Aviv intensificou os ataques contra o Líbano em retaliação ao apoio do Hezbollah ao Hamas, facção terrorista que matou mais de 1.200 israelenses nos atentados de 7 de outubro de 2023.

Em 30 de setembro, as tropas de Israel iniciaram uma invasão terrestre no sul do Líbano, levando centenas de milhares a fugirem para cidades mais ao norte. Mais de 1.600 pessoas já morreram em bombardeios israelenses no país desde 20 de setembro, segundo autoridades locais.

O governo americano pressiona Israel a parar com a ofensiva, mas o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, deixou claro que não pretende pisar no freio. Nesta segunda-feira (14), afirmou que “Israel continuará atacando o Hezbollah impiedosamente, inclusive em Beirute”.

PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress

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