RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O esperado crescimento da sobreoferta de energias renováveis nos próximos anos demandará medidas adicionais para garantir a segurança do sistema elétrico brasileiro, alertou no início do mês o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).
Em relatório sobre a operação do sistema entre 2024 e 2028, o órgão diz que não dará conta, sozinho, de gerir toda a sobra de energia em momentos de baixo consumo e pede que distribuidoras invistam em equipamentos para cortar a geração distribuída quando necessário.
A implantação acelerada e desordenada de usinas solares e eólicas no país já vem provocando um embate entre o governo e as empresas do setor, que cobram ressarcimento por cortes involuntários de geração.
A questão é hoje debatida na Justiça, em ação que pode empurrar para a conta de luz dos brasileiros ao menos R$ 1,2 bilhão. Em setembro, os cortes ordenados pelo ONS representaram 20% da capacidade média de geração das duas fontes, segundo a consultoria Volt Robotics.
“As projeções indicam que a necessidade de cortes na geração eólica e fotovoltaica crescerá devido à sobreoferta no meio do dia, no pico de geração das fontes lastreadas em energia solar”, diz o ONS, no Plano da Operação Energética 2024-2028, cujo sumário foi divulgado nesta terça-feira (1).
Nesse período do dia se concentram os cortes atuais, procedimento como “curtailment”, em que o ONS determina que determinadas usinas deixem de injetar energia na rede, tanto por restrições de escoamento da eletricidade quanto por excesso de oferta.
Os cortes se intensificaram após o apagão de agosto de 2023, quando o operador do sistema elétrico restringiu a capacidade de escoamento de energia entre o Nordeste, onde estão a maioria dos projetos renováveis, para outras regiões.
No plano divulgado no início do mês, o ONS diz que, mesmo com térmicas e hidrelétricas operando com capacidade reduzida, a sobreoferta de renováveis pode ser tão grande nos próximos anos que os cortes podem não ser suficientes para manter o equilíbrio da rede.
Uma solução, diz, é permitir que distribuidoras consigam controlar o despacho de recursos de geração distribuída, aquela que permite a produção de energia no local do consumo ou próximo dele, maior vetor de crescimento da capacidade nos últimos anos.
A Abradee (Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica) diz que a medida demanda regulação e investimentos em equipamentos para desconectar os painéis solares em momentos de sobreoferta.
O presidente da entidade, Marcos Madureira, diz que o problema já é experimentado por outros países, como a Austrália, onde a rede de distribuição também enfrenta desafios gerados pela popularização dos painéis solares. No Brasil, ressalta, é intensificado por recorrentes subsídios ao setor.
“Houve uma pressão para o crescimento exacerbado da geração distribuída com um grande volume de subsídios”, afirma.
Além da sobreoferta, o crescimento das energias solar e eólica gera a necessidade de contratação de mais térmicas para o início da noite, quando o sol se põe e o consumo aumenta com a chegada das pessoas em casa. “É um grande desafio para a operação”, diz Madureira.
As geradoras alegam que não têm responsabilidade sobre o problema e, por isso, devem ser ressarcidas pela perda de receita. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) entende que a regulamentação não prevê ressarcimento nesse caso.
“Os investidores reagiram a políticas públicas de incentivo a renováveis. Não faz sentido agora esse desequilíbrio ser todo jogado para eles”, diz Donato da Silva Filho, da Volt Robotics.
Ele afirma que os incentivos deveriam ter sido acompanhados por medidas que garantam maior flexibilidade ao sistema, para minimizar a necessidade de cortes, procedimento conhecido no setor pelo termo “curtailment”.
Em aula sobre o tema realizada nesta sexta (4), a Volt enumerou entre as medidas o uso de baterias para armazenar a sobreoferta no meio do dia, incentivos financeiros para que indústrias desloquem consumo para esse período e modernização da rede de transmissão para ampliar a capacidade.
Procurados, ONS, Aneel e o MME (Ministério de Minas e Energia) não haviam respondido a pedido de entrevista até a publicação deste texto.
NICOLA PAMPLONA / Folhapress