Pesquisadores do Reino Unido revelam, em novo estudo, que o sobrepeso, mesmo sem comorbidades, está diretamente relacionado com uma maior incidência de 13 tipos diferentes de câncer. A descoberta é resultado de uma meta análise que comparou informações de quase 600 mil adultos disponíveis nos bancos de dados UK Biobank e EPIC (Investigação Prospectiva Europeia sobre o Câncer e Nutrição, em inglês).
Ainda não era consenso entre os especialistas se o sobrepeso favorecia diretamente o surgimento de tumores ou se atuava por meio do surgimento de comorbidades cardiovasculares e cardiometabólicas, como a diabetes. Entretanto, comparando os dados de saúde dos participantes da pesquisa com e sem essas doenças, ficou claro para os autores do trabalho que o acúmulo de gordura é um fator de risco relevante por si só.
Os resultados mostraram que um aumento de 5 pontos do IMC (índice de massa corporal) entre os participantes levou a uma maior incidência de câncer da ordem de 11%, tanto em pessoas com ou sem doenças cardiometabólicos. O surgimento do tumor é um processo complexo, que pode levar anos ou décadas, e depende de uma série de fatores, como dieta e nutrição, atividade física, meio ambiente e condições pessoais de saúde.
A existência de comorbidades cardiovasculares, entretanto, mostrou ser ainda mais danosa para a saúde. Um aumento da massa corporal da mesma ordem em pacientes dessas doenças eleva o número de casos de neoplasias em 17%. Os resultados foram publicados na revista científica BMC Medicina.
Segundo Helen Croker, diretora assistente de pesquisa e política do Fundo Mundial de Pesquisa do Câncer, os resultados reforçam o quanto a obesidade e o sobrepeso são fatores de risco importantes para o câncer. “Isso é algo que gostaríamos que as pessoas soubessem mais. Advogamos por políticas mais fortes em todo o mundo que encorajam corpos mais saudáveis.”
Mas a especialista destaca que o trabalho ainda tem limitações, e que é necessário buscar em outros estudos resultados similares que auxiliem o desenho de políticas públicas. Um dos problemas destacados por ela é o uso de dados exclusivamente europeus, que não reflete, por exemplo, a realidade latino-americana. Outro é o uso do IMC como medida do sobrepeso.
Calculado apenas pela razão da massa corporal pela altura, o índice não dá informações diretas da presença e distribuição de gordura pelo corpo. “É uma boa medida para grandes amostras”, afirma Croker, mas que não serve para o diagnóstico a nível pessoal.
Estatisticamente, pacientes com IMC maior do que 25 têm maior risco de desenvolver pelo menos 13 tipos diferentes de tumores, entre os quais se destacam o colorretal, de fígado, rins, pâncreas, de ovário e, especialmente, o de mama depois da menopausa.
Andrea Damin, médica e professora da Faculdade de Medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), ressalta que nesse último caso, a obesidade pode aumentar os níveis de hormônios e promover um ambiente inflamatório, todos fatores pró-oncogênicos.
A especialista acrescenta que, no Brasil, o número de casos de câncer de mama é prevalente, sobretudo, em pacientes com menos de 50 anos, que ainda estão fora do rastreamento. Hoje, esse tumor é o segundo mais incidente dentro da população feminina, atrás apenas do melanoma, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Câncer.
“As pessoas realmente não sabem do impacto da obesidade”, afirma Damin. Segundo ela, muitas pacientes não procuram os testes preventivos por falta de histórico familiar da doença. Mas a realidade mostra, para a especialista, que apenas em uma quantidade muito pequena dos casos a genética é o principal fator em jogo.
O combate ao sobrepeso e obesidade são aliados também do tratamento da doença. A Sociedade Brasileira de Oncologia recomenda a prescrição de exercícios físicos para pacientes de câncer, mas segundo a médica, essa recomendação não é feita.
Um estudo sistemático feito por pesquisadores espanhóis mostra que a intervenção combinada sobre a alimentação e prática de atividades físicas em pacientes de câncer de mama leva a melhorias significativas na capacidade cardiorrespiratória, força muscular, composição corporal, qualidade de vida, fadiga, ansiedade, depressão e sono.
Publicado na revista científica Nutrients, o trabalho analisou 13 estudos clínicos randomizados e controlados diferentes, englobando um total de mais de 1,5 mil pacientes. Os resultados também revelam que é necessária uma abordagem holística do problema, promovendo mudanças completas do estilo de vida, e não apenas na alimentação ou na prática de exercícios separadamente.
Assim como não é preciso esperar o diagnóstico da doença para começar o cultivo de novos hábitos, também nunca é tarde demais.
Os resultados de um acompanhamento de 14 anos feito com mais de 400 mulheres canadenses revelam que uma maior frequência de atividade física, tanto prévia quanto posterior ao diagnóstico de câncer endometrial, foi favorável para estender a vida dessas pacientes em até 67% anos a mais do que aquelas com comportamento sedentário. O estudo foi publicado na revista Journal of Clinical Oncology.
Além de prevenir o sobrepeso e a obesidade, mudanças no estilo de vida também ajudam na prevenção direta do câncer, acrescenta a professora Damin, além de proporcionar outros benefícios para a saúde e o bem-estar de forma geral.
A especialista acrescenta que qualquer atividade física joga a favor do paciente, inclusive o hábito de usar escadas ou arrumar a casa. “Ser mais ativo já ajuda.”
ACÁCIO MORAES / Folhapress