SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após 54 anos de sua fundação, a Sociedade Brasileira de Matemática tem a primeira pessoa da região Norte do país no seu comando. A cientista Jaqueline Godoy Mesquita assume a presidência aos 37 anos, também como a mais jovem no cargo e com o objetivo de fomentar a educação da matemática nas regiões mais defasadas.
Nascida em Boa Vista, a roraimense é a terceira mulher a assumir a presidência da SMB ao longo da história. Antes dela, passaram pelo cargo Keti Tenenblat (1989 a 1991) e Suely Druck (2001 a 2005).
“Fiquei muito contente com essa possibilidade, justamente por conta da representatividade. Pouquíssimas mulheres estiveram à frente da Sociedade Brasileira de Matemática, a última faz 18 anos, tem muito tempo”, diz Mesquita.
“Também tem essa questão da nunca ter tido uma representante do Norte. Isso traz um simbolismo muito forte para o pessoal da região com relação à representatividade e para o maior desenvolvimento da matemática na região.”
A cientista se formou em 2006 na Universidade Federal de Brasília, onde hoje é docente. Concluiu o doutorado e um dos seus pós-doutorados no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos.
Mesquita se considera “fruto do ensino público de qualidade”, já que, no processo de sua formação, foi beneficiada com bolsas de estudos da Capes, podendo concluir seus estudos com graduações no Chile, na República Tcheca e na Alemanha.
“Todas essas oportunidades foram muito importantes para que eu pudesse aprimorar a minha pesquisa e a minha formação, aumentando minha colaboração e minha internacionalização”, disse a professora.
Antes de eleita presidente da SMB por meio de votação dos associados, ocupava a vice-presidência do órgão. Ela agora substitui o professor Paolo Piccione com mandato até julho de 2025.
Para chegar à liderança da SMB, Mesquita percorreu caminhos desafiadores, como o preconceito predominante em uma área majoritariamente formada por homens e o convencimento da família, que esperava que ela seguisse a medicina, carreira do pai.
“Meus pais tinham o sonho de ter uma filha médica. Mas eu gostava tanto matemática que não me via como médica. Na adolescência, eu ficava horas resolvendo problemas de matemática. Então foi muito difícil chegar e falar que eu queria fazer matemática em vez de medicina”, disse a professora.
O impulso veio por meio da tia Cleide Bezerra, que tinha a formação em matemática. “Ela me apoiou bastante nesse aspecto e também me ajudou a conversar com meus pais e tentar ter uma aceitação um pouco melhor.”
Os pais acabaram convencidos, mas com alguma resistência. Diziam que ela poderia fazer matemática, mas deveria fazer um outro curso para “não passar forme” depois.
Com relação ao machismo enfrentado na carreira, a cientista diz que era algo corriqueiro desde os primeiros dias de sala de aula.
“O primeiro choque foi quando eu entrei na graduação e vi que boa parte dos estudantes era formada por homens e pouquíssimas mulheres. De 35 estudantes, apenas sete eram mulheres. E esse cenário foi piorando à medida que eu fui avançando na minha carreira e também nos altos postos que fui assumindo”, disse a professora da UnB.
“Acaba enfrentando diversas situações de machismo, que soam como uma brincadeira de corredor. São microviolências que enfrentamos todos os dias por ser mulher nesse ambiente bastante masculinizado que é a matemática.”
O avanço na formação acadêmica na área de análise matemática, com ênfase em equações diferenciais e equações diferenciais funcionais com retardamento, proporcionou à cientista um reconhecimento dentro e fora do país.
Em março deste ano, Mesquita recebeu o prêmio “Science, She says! Award”, oferecido pelo Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional da Itália a jovens cientistas estrangeiras de destaque. Em setembro, ela voltará ao país europeu para receber a Condecoração de Cavaleira da Ordem da Estrela da Itália, este pela contribuição nas relações científicas entre Brasil e Itália.
Para a professora, chegar à presidência da SBM traz um impacto positivo na busca por representatividade e se transforma em uma plataforma de incentivos para mulheres e cientistas da região Norte do país.
“Você acaba se imaginando em um lugar em que não vê pessoas iguais a você. O fato de hoje ter uma mulher na presidência da Sociedade Brasileira de Matemática faz com que outras mulheres possam ver isso e pensar também na possibilidade de elas chegarem lá. O mesmo a gente tem com relação ao pessoal da região Norte.”
Entre os planos da nova gestão está a “popularização” da matemática. De acordo com Mesquita, a SMB conta com 106 polos espalhados pelo país. A ideia inicial é ampliar essa rede e focar na formação de professores.
“Estamos em um país que tem desigualdades, então precisamos impulsionar a matemática nas regiões que ainda precisam de um maior desenvolvimento. Fomentando eventos de matemática e também a formação de professores, que eu acho importantíssimo. É por meio da formação que a gente vai conseguir atingir a base e trazer uma educação de qualidade.”
Há uma grande discussão no país com relação às mudanças no ensino médio. O Ministério da Educação pretende enviar ao Congresso até setembro um projeto de lei para alterar a reforma do ensino médio. Um dos pontos seria aumentar os conteúdos tradicionais, como português e matemática.
“É necessário aproveitarmos o momento para pensarmos também em como promover uma melhoria no ensino da matemática na educação básica como um todo, que ainda deixa muito a desejar. A nossa gestão terá uma atuação bastante ativa na educação básica de matemática, para que possamos melhorar os indicadores do Brasil neste aspecto. Queremos que o Brasil se torne uma referência em matemática”, diz Mesquita.
EMERSON VICENTE / Folhapress