Sócio desde os 22min de vida, gerente ‘herdou’ amor de Telê pelo Morumbis

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Pode parecer uma daquelas histórias exageradas, mas Mauro Castro, de 69 anos, jura que não é: sua relação com o São Paulo é mais antiga do que com o próprio pai. Maurinho, como é conhecido pelos corredores do Morumbis, foi registrado como sócio do São Paulo Futebol Clube com 22 minutos de vida. Obra de seu pai, que só depois de fazê-lo é que foi conhecer o filho pessoalmente.

Atualmente gerente do estádio, Mauro Castro é o principal responsável por tudo dentro da casa do São Paulo, mas nos últimos anos anda tendo um trabalho dobrado com o gramado, já por duas vezes trocado por causa de shows. Ele apoia a decisão do Tricolor de trazer mais entretenimento ao local para além do futebol, mas não esconde: dói quando mexem com o campo dele.

“Pra fechar conta, você precisa fazer isso. Temos que estar no business. São Paulo ficou muito tempo fora disso. Temos que estar preparados psicologicamente e administrativamente para saber as consequências depois do show. Trabalhar o máximo possível em comum com a produtora do show para ter a menor probabilidade possível de danos, que são inevitáveis: tem que colocar rampa e para isso tem que tirar cadeira, para fazer um camarim precisa adaptar um vestiário. Agora, dói o coração. E, em outro momento, quando você vê um jogador sair para comemorar e dar aquele carrinho… Vai sair tudo!”.

Maurinho viveu a infância toda dentro do São Paulo. Seu pai trabalhou na obra do Morumbis, sua mãe ia ao estádio ajudar a preparar o almoço daqueles que estavam ajudando na construção. “Vi a inauguração das sociais quando o Laudo (Natel) foi jogado na piscina. Vi o Adhemar Ferreira da Silva correndo na pista antes de ter um jogo de futebol”, lembra.

nesta quarta-feira (30) gerente, o jovem Mauro Castro também se arriscou no esporte. Fez natação, tênis e até tentou o futebol, sempre defendendo as cores do Tricolor paulista. Mas acabou indo estudar, se tornou técnico industrial e administrador de empresas. Voltou ao São Paulo para se tornar conselheiro do clube ainda jovem e exerceu por 42 anos a função. E aí conheceu aquele que mudaria sua vida para sempre: Telê Santana.

“Desde a época do Telê fui diretor-adjunto de alguns departamentos e acho que peguei esse amor pelo estádio do Telê. As falas dele eram maravilhosas. A forma dele cuidar do gramado, as pessoas pensam que é história, mas não é. Se estivesse chovendo, ele colocava aquela capa amarela, pegava saquinho plástico, e saía no campo 7h da manhã pegando as ervas daninhas e colocando no saquinho. Ele me ensinou uma coisa que eu carrego para minha vida: do mesmo jeito que um teatro tem que ter um belo palco, o palco para o futebol se chama gramado”, conta.

Descoberto o novo amor de sua vida, Maurinho se tornou um fissurado por gramado. Passou a estudar e ler de tudo para entender o que se poderia saber sobre aquele campo. Teve sua primeira oportunidade no Pacaembu, onde ficou por 11 anos e revolucionou o tradicional estádio paulistano. Em 2017, o bom filho à casa tornou.

“Você fazer (o que ama) para o seu clube… Foi o convite que mais me deixou feliz. Sabia que o primeiro dia, quando pisasse aqui, seria emocionante. Eu sou meio mole. Cheguei no Morumbi sabendo que precisava me controlar. Quando a emoção pegasse, iria no banheiro para disfarçar, mas foi difícil. Foi um negócio que pegou. Fui para a pista andar e foi uma mistura da minha fase de infância, atleta, de arquibancada, misturado com a fase de voltar a trabalhar aqui com o que eu amo. Está no sangue. Foi uma emoção louca.”

OS CUIDADOS DO GRAMADO DO MORUMBIS

Gramado é um ser vivo. Grama não é mato. Gramado de futebol é diferente de jardim, começando pela qualidade da grama. Pra você ter um futebol decente, precisa ter uma grama da família da bermuda. Você tem quatro características pelo menos. É começar a estudar para começar a trazer uma melhor densidade do gramado, velocidade de bola, estabilidade de piso. Você precisa cuidar do topsoil, é a base do gramado. É igual a estrutura de uma casa: ninguém vê. Nosso estádio é da década de 50 em um solo argiloso. Para ter uma respiração e um melhor rendimento, você precisa ter um pouco de areia e nesta quarta-feira (30) o Morumbi tem um banco de 30 a 35 cm de areia.

A grama fala. Parece papo de louco, mas pra quem está ali ela fala a linguagem dela. O animal fala a linguagem dele, você sabe quando seu cachorro está com fome. A grama também. Ela mostra na aparência dela, se mudou a tonalidade do verde. Tiramos na sexta e vamos começar a plantar na segunda. Por quê? Exatamente para trabalhar o topsoil, esse é o segredo. Vamos colocar fósforo em forma de granulação, que vai ficar 55 horas sem grama, vai preparar para receber a grama que vai sofrer um pouco na viagem.

A maior dificuldade do gramado é a natureza. A grama é um dos bichos mais vagabundos do mundo. Por ela, fica deitada numa rede tomando água de coco. Sossegada. Você tem que equilibrar a água. A academia da grama é ter sede. Ela busca lá no lençol e isso é o exercício dela. Excesso de chuva é muito ruim. Depois se vem aquele sol, então, é fungo na certa. Tem que ficar ligado para colocar os herbicidas corretos, fazer um trabalho preventivo.

O que foge ao seu controle é a natureza do pássaro. Eles trazem coisas, é da natureza. Tem que dar valor às aves porque elas são termômetros. Tem quero-quero? Maravilhoso, ele é predador da pomba. A pomba é terrível, as fezes queimam o gramado. Se você vir um pica-pau, tenha certeza que você está com praga. Ele vem pegar. Se tem bem-te-vi, você fica feliz porque está equilibrado. Quando você vir uma revoada de andorinha em círculo, pode ter certeza que vem chuva. Ela faz isso para gerar o óleo para as asas dela ficarem protegidas da chuva.

NEM TODO SHOW PRECISA DE TROCA

No show que tivemos em setembro, o gramado tem 7.140m² e visto a produção o show tivemos que trocar 2 mil m² em forma de lego. Não tínhamos tempo hábil, já tínhamos jogo em seguida. Um show desse que ficamos 17 dias com o campo coberto, quando tiramos até estava verde, mas era só em cima. Apodrece, é um ser vivo. Isso dói muito. Gramado é como nós, é uma criança, depois vira adolescente e adulto. Isso é quem faz é o tempo. Esse gramado que estamos trocando está sendo feito há oito meses na fazenda e sendo tratado exatamente como tratamos no Morumbis. Existe uma tecnologia para tirar o gramado de lá e colocar aqui que chama ‘ready to play’. Você tem 12h entre enrolar a grama e desenrolar para evitar a fermentação. Quando ele chegar aqui, já tem oito meses de vida. Esse campo que estamos trocando nesta quarta-feira (30) estava começando a entrar na fase adulta. Agora, vamos começar toda a vida de novo.

EDER TRASKINI / Folhapress

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