Sonda japonesa pousa na Lua, mas situação é indefinida e sobrevivência pode ser curta

módulo SLIM cruzando a superfície lunar

O Japão se tornou nesta sexta-feira (19) o quinto país a conduzir um pouso na superfície da Lua. A façanha, que o coloca ao lado de um grupo seleto composto por Rússia, EUA, China e Índia, porém, não foi completa. A Jaxa (agência espacial japonesa) ainda dá poucos detalhes além de apontar que recebe sinais da nave, mas confirma que os painéis solares não estão funcionando, o que dá horas de vida, por bateria, para o módulo.

A Jaxa, porém, classifica a missão como bem-sucedida. Ao mesmo tempo, fala que precisa de mais tempo para analisar dados e que fará uma nova coletiva de imprensa na próxima semana.

Logo após o pouso, houve momentos de tensão, com silêncio sobre a situação seguida de uma narração afirmando repetidamente que estavam checando o status do módulo. Após quase 10 minutos, a transmissão foi encerrada.

Alguns tempo depois, teve início uma coletiva de imprensa, na qual representantes da Jaxa afirmaram que os painéis solares do módulo não estão funcionando.

A pequena espaçonave, com apenas 2,7 metros de comprimento e 200 kg (sem contar o combustível), iniciou a aproximação final para descida cerca de 20 minutos antes do pouso (os famosos “20 minutos de terror”, segundo Kenji Kushiki, gerente da missão), saindo de uma órbita com perilúnio (ponto mais próximo da superfície lunar) de 15 km.

A poucas centenas de metros do chão, o Slim começou a fazer jus ao nome, que é uma sigla de Smart Lander for Investigating Moon, ou Pousador Inteligente para Investigação da Lua. Processando imagens produzidas por uma câmera apontada para baixo e identificando crateras previamente mapeadas pela sonda orbital japonesa Kaguya, que esquadrinhou a superfície lunar entre 2007 e 2009, o veículo automaticamente se encaminhou para seu local de pouso, próximo à cratera Shioli, onde desceu às 12h20 (de Brasília).

O principal objetivo da missão, que custou US$ 120 milhões, era justamente alunissar e, de preferência, demonstrar a capacidade de pouso de precisão, a um raio de no máximo 100 metros do alvo, e em terreno não muito hospitaleiro, com um aclive de cerca de 15 graus. O objetivo da precisão ainda não foi confirmado pela Jaxa.

O nível de acurácia ultrapassaria -em caso de ter sido bem-sucedido- qualquer outra missão não tripulada lunar ou planetária já conduzida (apenas em asteroides, com gravidade baixíssima, já houve pousos não tripulados de alta precisão). Em geral, o local de pouso de uma espaçonave é designado por uma elipse (algo como uma circunferência esticada), que pode ser maior ou menor de acordo com as incertezas no caminho da órbita para a superfície.

Para dar uma ideia da ambição, a elipse de pouso da Apollo 11, missão que levou humanos ao solo lunar pela primeira vez, em julho de 1969, tinha 20 km de comprimento por 5 km de largura. Ou seja, a nave poderia descer em qualquer ponto dessa vasta área ainda cumprindo seu objetivo.

As coisas mudaram para a Apollo 12, que desceu a apenas 200 metros da sonda Surveyor-3 -mas então pilotada por um humano. Para voos não tripulados, a incerteza sobre o local do pouso não mudou muito desde então. Em 2021, o rover Perseverance, da Nasa, desceu à cratera Jezero, na superfície de Marte, mirando uma elipse de pouso de 7,7 km por 6,6 km (acabou que o veículo da Nasa desceu a 1 km do centro da elipse, mas a apenas cinco metros do local exato onde queriam descer, em um grande sucesso, mas ainda com grande incerteza).

Para a Slim, a meta foi reduzir a largura da elipse a no máximo 200 metros. O processo envolve algoritmos avançados para processar as imagens da superfície em tempo real e calcular com exatidão, de forma automática, a trajetória para o pouso. Curiosamente, os engenheiros adaptaram técnicas de sistemas de reconhecimento facial a fim de que a sonda pudesse reconhecer crateras específicas na Lua e se localizar.

Os japoneses apostam que essa tecnologia será essencial no futuro da exploração espacial, indo de uma cultura em que “se desce onde é fácil pousar” para uma em que “se desce onde se quer pousar”. De fato, esse será um fator essencial para o desenvolvimento de futuras bases lunares, que exigirá o pouso de diversas naves, tripuladas e não tripuladas, em grande proximidade umas das outras.

EUA e China estão de olho nisso, cada um capitaneando seu próprio projeto e mirando o polo sul lunar, onde acredita-se haver grandes quantidades de gelo de água preservado no fundo de crateras onde a luz solar nunca bate.

POUSO-TOMBO

Para lidar com o aclive da região escolhida para a descida, os japoneses também desenvolveram um método curioso de pouso, em que a espaçonave desce na vertical e, só ao tocar as pernas traseiras no solo, se inclina para a posição horizontal, como se estivesse tombando sobre a superfície.

Instantes antes do pouso, o Slim entregou à superfície dois pequenos rovers. O módulo de pouso tambem é equipado com uma câmera espectroscópica capaz de identificar a composição de rochas lunares. O objetivo é encontrar materiais que já pertenceram ao manto lunar, com o objetivo de elucidar a origem da Lua. A principal hipótese hoje aventada é de que ela é fruto da colisão de um objeto do tamanho de Marte (chamado Theia) com a Terra, nos primórdios da formação do Sistema Solar. Ao analisar a composição de seu interior, é possível corroborar ou desafiar essa ideia.

Desde 2013, quando a China conduziu a primeira missão de pouso lunar do século 21, houve ao todo dez tentativas: três chinesas (todas bem-sucedidas), duas indianas (uma bem-sucedida), uma russa (fracassada), uma japonesa (bem-sucedida) e três privadas (do grupo israelense SpaceIL, da empresa japonesa ispace e da americana Astrobotic, todas fracassadas). É um aproveitamento de 50%. Pelo menos outras duas missões, uma privada (americana) e uma estatal (chinesa), devem ocorrer ainda em 2024.

SALVADOR NOGUEIRA / Folhapress

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