SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A sensação térmica beirava os 35°C, mas na camisa branca de José Antônio Parente não se via um pingo de suor. O que é até compreensível para um mato-grossense criado em Cuiabá. “Cara, eu estou fora de Cuiabá há muito tempo”, diz ele, mais conhecido como Totó Parente. “Mas é 40, 42, 43°C. É assim.”
Se a sua origem pode o ajudar neste verão abafado, é justamente a pecha de forasteiro que tem sido um dos obstáculos que o novo secretário municipal da cultura de Ricardo Nunes (MDB) têm enfrentado nesses primeiros 20 e poucos dias que tem de cargo.
Por um lado, houve quem destacasse o fato de Parente ser ex-vereador de Cuiabá e que, por não ser daqui, estaria pouco familiarizado com o setor, as manifestações e os equipamentos culturais da cidade.
Para estes, ele tem uma resposta direta: “Isso é xenofobia”.
“Eu me sinto paulistano como qualquer paulista que nasceu aqui. Eu morei aqui, casei aqui, namorei aqui, estudei aqui, militei politicamente aqui, votei aqui no prefeito Ricardo Nunes, fiz campanha nesta cidade. Eu respiro São Paulo e eu gosto de cultura.”
Ao longo da carreira, Parente também passou por Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e trabalhou com nomes como Lindbergh Farias (PT-RJ), Wilson Witzel (PMB), Simone Tebet (MDB), Dilma Rousseff (PT) e Lula.
Por outro lado, alguns críticos destacam o fato de o secretário não ter em seu currículo cargos de gestão na área cultural.
Segundo ele, o que Nunes queria para a pasta da cultura era diálogo. No final do ano passado, a prefeitura e o governo federal se viram num imbróglio envolvendo uso irregular recursos da Lei Aldir Blanc para financiar projetos do município. O governo repreendeu formalmente a gestão Nunes, que, na época, desistiu de usar os recursos.
“Eu não estava na secretaria, mas no final do ano foi solicitada uma autorização para usar esse recurso e ser reposto. A CGU deu um parecer favorável, e o Ministério da Cultura deu um parecer contrário. Esse recurso não chegou a ser usado. Capítulo encerrado”, explica. “Eu se eu tivesse aqui eu não faria isso. Mas não houve nenhuma ilegalidade ou problema jurídico.”
Apesar de não ter gestão cultural no currículo, Parente diz que se sente preparado como gestor. “Fui secretário nacional de articulação do Ministério do Planejamento e Orçamento [de Tebet], que é um dos ministérios mais complexos que há, e a minha função era justamente fazer um diálogo de alto nível.”
É o que promete. A primeira fase tem sido a tentativa de contato com ex-secretários. No oitavo andar do centenário edifício Sampaio Moreira, há um mural com fotos de quem passou pela pasta na capital paulista. “Eu boto o nome no Google. Está vivo? Eu ligo e peço a conversa. Estou conversando com todo mundo.”
De seu gabinete, Parente tem vista privilegiada para uma das principais fontes de dor de cabeça para quem assume o cargo, o Theatro Municipal. Entre editais contestados ou suspensos, a instituição vive envolta em crises há mais de uma década.
Atualmente, o teatro é gerido pela organização social Sustenidos. Há cerca de dois anos, o Tribunal de Contas do Município solicitou que a Fundação Theatro Municipal realizasse novo edital para a escolha de uma organização para gerir o teatro, após a casa ter enfrentado uma onda de demissões e déficit de milhões.
O Instituto Odeon teve as contas de 2017 aprovadas com ressalvas e as de 2018, reprovadas. No ano seguinte, a prefeitura rompeu o contrato com a organização.
Em 2016, uma CPI na Câmara Municipal apontou que o então gestor do teatro, o Instituto Brasileiro de Gestão Cultural, desviou R$ 21,8 milhões da Fundação Theatro Municipal entre os anos de 2013 e 2015.
“Eu tenho poucos critérios ainda para avaliar a Sustenidos, estou há três semanas só”, afirma. Segundo o secretário, porém, um novo edital de escolha de entidade gestora está em fase de estudos e deve ser concluído nos próximos dias.
Parente vem de uma família de pequenos agricultores. Nasceu em uma aldeia indígena em Mato Grosso, quando seu pai trabalhava como telegrafista dos Correios, e logo em seguida se mudou para uma cidadezinha chamada General Carneiro (MT).
Iniciou-se na militância aos 16 anos, em 1982, no movimento estudantil. Na juventude fez parte do Movimento Revolucionário Oito de Outubro, o MR8, que surgiu de um racha no PCB, o Partido Comunista do Brasil, e posteriormente foi fagocitado pelo MDB. Como liderança do movimento estudantil, ajudou na organização do movimento dos caras pintadas, pelo impeachment do então presidente Fernando Collor.
A sua trajetória revela um militante que veste a camisa do MDB.
Nos bastidores, há quem avente que a escolha por Parente na Cultura tenha a ver justamente com esse seu histórico canhoto. A tese é que, para lidar com um setor em que costuma ser visto como rebelde, contestador e sensível a pautas de esquerda, nada melhor do que um secretário que tende à esquerda.
E ele, se considera de esquerda? Ele ecoa o que o tucano Bruno Covas (PSDB) costumava dizer. “Hoje eu sou um sujeito radicalmente de centro”, diz.
Ela dá a entender que a gestão de Ricardo Nunes não é avessa ao que se costuma entender como “esquerda”, pois prioriza “cuidado social, governar para quem mais precisa, garantir educação pública de qualidade, acesso à educação e à cultura”.
“Quando eu era um militante de esquerda, as palavras de ordem eram isso acesso à cultura e à educação. Aí eu venho trabalhar com um cara que zerou a fila de creche da cidade de São Paulo.”
O grupo Artistas Livres, liderado pelos cineasta Josias Teófilo e Newton Cannito, criticou a escolha para a presidência da Spcine, Lyara Oliveira. A nomeação foi vista como uma prova de que a secretaria estaria dominada pelo identitarismo e ideias “woke”
O secretário se diz totalmente a favor de cotas e a favor de pautas afirmativas. Ainda assim, ele acha que são críticas apressadas. “Mas é do jogo, é da democracia”, diz.
Um elogio que todo político costuma gostar é “quadro”. Pessoas que fizeram parte da trajetória do secretário usaram essa palavra para descrever o secretário.
O jornalista Kléber Lima foi contemporâneo de Parente no movimento estudantil entre as décadas de 1980 e 1990. Ele conta que, na época, ele chamava atenção por ser bom de palanque e bastidores. “Há os grandes oradores e os grandes articuladores. Totó reunia as duas características”, diz Lima.
Para ele, Parente é, antes de tudo, emedebista. E além de um quadro histórico do partido, é um “coringa”, isto é, pau para toda obra o que ajuda a explicar a trajetória de homem que trabalhou com nomes diversos da política brasileira. Não obstante, diz Lima, Parente pertence a uma ala pró-Lula.
É justamente o status de “quadro” que faz com que Parente seja chamado constantemente para exercer funções, seja em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo ou Cuiabá.
Por isso, é de questionar se não há uma certa probabilidade de que Parente volte, em breve, a atender aos chamados do MDB e, portanto, abdique do cargo na Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa de São Paulo antes do fim do mandato de Nunes.
Ele nega. “Dificilmente surgiria um projeto tão desafiador como este. É o projeto mais desafiador da minha vida”, diz.
Quem também o chama de quadro é Simone Tebet, que destaca o seu trabalho em áreas de infraestrutura, logística e turismo, num projeto de integração regional e desenvolvimento econômico e cultural dos países da América do Sul.
O amigo Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do governo na Câmara e colega de movimento estudantil, afirma que Parente votou em Lula nas últimas eleições presidenciais.
O secretário nega diz que votou em Tebet no primeiro turno, mas não teve tempo de votar no segundo. Na época, seu domicílio eleitoral ainda era em Cuiabá. Ele admite, porém, que poderia, sim, ter votado em Lula. “Naquele momento talvez [votasse 13]…”, diz. “Mas meus últimos três votos foram 15, no meu velho MDB.”
EDUARDO MOURA / Folhapress