BELO HORIZONTE, MG, RIO DE JANEIRO, RJ, PORTO ALEGRE, RS, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os governos de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul dizem aguardar a tramitação do novo projeto que renegocia a dívida dos estados com a União antes de definir que ativos pretendem oferecer ao governo em troca do desconto nos vencimentos.
Os quatro, somados, respondem por cerca de 90% da dívida de R$ 749 bilhões que os estados possuem perante a União.
O projeto apresentado no dia 9 deste mês pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prevê que os estados podem ter um desconto no indexador que reajusta a dívida mediante a entrega de ativos à União.
Hoje em IPCA +4%, os juros da dívida poderiam ser reduzidos para IPCA +2% mediante a entrega de ativos como empresas públicas e créditos judiciais que representem mais de 20% do estoque do passivo do estado junto à União.
Caso a unidade da federação entregue ativos que correspondam de 10% a 20% da dívida total, a queda é de apenas 1 ponto percentual.
A Folha mostrou que o projeto, que ainda prevê outros descontos nos juros pagos à União, elevaria a dívida pública em R$ 462,2 bilhões até 2033, conforme cálculos da corretora Warren Rena.
Dos quatro estados superendividados, São Paulo lidera a lista, com um estoque de R$ 281,5 bilhões, mas tem honrado o compromisso junto ao governo.
Na sequência, vêm Rio de Janeiro (R$ 163 bilhões), Minas Gerais (R$ 160 bilhões) e Rio Grande do Sul (R$ 96 bilhões).
Enquanto o governo mineiro não paga as parcelas da dívida graças a decisões do STF (Supremo Tribunal Federal), os estados carioca e gaúcho aderiram ao RRF (Regime de Recuperação Fiscal), programa que permite a suspensão dos vencimentos.
A proposta de Pacheco foi desenhada para solucionar a situação de Minas Gerais, base eleitoral do senador, que tem enfrentando dificuldade na Assembleia Legislativa para aderir ao RRF.
O estado também é considerado como aquele que mais tem ativos para conceder à União em troca do desconto da dívida, porque Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro já privatizaram parte de suas estatais para cumprir com as normas do RRF.
Uma questão que deve acirrar a disputa entre o governo de Romeu Zema (Novo) e a equipe econômica é em relação ao valor das estatais mineiras.
São três principais empresas que o estado poderia federalizar em troca do desconto da dívida: Cemig, de energia, Copasa, de saneamento, e a Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais).
Segundo o governador, o valor delas é muito superior ao limite determinado para o desconto da dívida.
De acordo com o projeto de Pacheco, Minas teria que entregar ativos acima de R$ 32 bilhões considerando a dívida em cerca de R$ 160 bilhões para ter o desconto anual de 2% nos juros da dívida.
O impasse maior entre os governos estadual e federal deve ser em relação ao valor da Codemig, que não tem ações negociadas em Bolsa, ao contrário das outras duas.
Sua principal função é a exploração do nióbio, por meio de um contrato com a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração).
Hoje, a estatal vale cerca de R$ 25 bilhões a R$ 35 bilhões, conforme números citados anteriormente citados pelo governo.
Uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) em tramitação na Assembleia Legislativa do estado, porém, pode destravar de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões do valor da empresa. Ela prevê que, caso a empresa seja federalizada, o direito de lavra, que pertence ao estado, também seria repassado à União.
“Se o governo quiser federalizar a Codemig do jeito que está hoje, sem a PEC, vai vender a empresa com o direito de lavra apenas até vencer o contrato com a CBMM [2032], e depois esse direito volta para o estado”, explica Hugo René de Souza, do Sinfazfisco (Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais).
Nas contas do sindicato, a avaliação da Codemig poderia chegar a R$ 50 bilhões caso a PEC seja aprovada.
Em relação às outras duas principais estatais de Minas, a conta é mais simples, porque elas são negociadas em Bolsa.
Considerando o valor das ações desta sexta-feira (19), a participação do estado na Copasa é de R$ 3,86 bilhões, e na Cemig, de R$ 6,3 bilhões. O Sinfazfisco, porém, diz que a fatia do Estado na empresa de energia poderia chegar a R$ 20 bilhões considerando patrimônio e subsidiárias.
O governo de Minas disse em nota que não há como afirmar, neste momento, quantos e quais ativos poderiam ser envolvidos. Também disse discordar de qualquer hipótese que cogite o uso de possível repactuação da tragédia de Mariana e da reparação pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho como forma de abatimento da dívida.
O Rio de Janeiro, primeiro estado a aderir ao regime de recuperação fiscal, diz que ainda aguarda a tramitação da proposta e a redação do texto final para analisar a adesão à proposta de Pacheco.
O governo do Rio já não tem grandes estatais para federalizar -a maior delas, a Cedae (Companhia Estadual de água e Esgoto) foi alvo de processo de concessão em 2021. Mas o deputado estadual Luiz Paulo (PSD) lembra que o PL contempla a federalização de outros tipos de ativos.
Entre eles, está a dívida ativa do estado, que hoje soma R$ 140 bilhões, incluindo créditos de difícil recuperação. Há ainda créditos tributários ainda não incluídos em dívida ativa ou patrimônio imobiliário. Considerando o texto atual do PL, o Rio precisaria de R$ 16,3 bilhões para descontar um ponto percentual dos juros de sua dívida com a União.
“Mas é preciso dar contrapartidas para entrar na negociação”, destaca o deputado, lembrando que o estado teria que estar disposto a seguir um regime de teto de gastos equivalente ao federal.
Na quarta (17), o governador Cláudio Castro (PL) defendeu que estados que estão sob o RRF também possam aderir ao novo projeto de renegociação de dívidas dos estados. O texto de Pacheco, porém, prevê apenas a migração de um programa para o outro.
O Rio Grande do Sul, que aderiu ao RRF em junho de 2022, enfrenta o desafio de buscar uma nova negociação da dívida enquanto se recupera dos danos causados pelas chuvas e enchentes na economia estadual.
A Câmara dos Deputados aprovou em maio a suspensão do pagamento da dívida gaúcha até 2027, com a condição que os R$ 11 bilhões economizados nesse período sejam destinados a um fundo de reconstrução.
Em nota, a Sefaz (Secretaria Estadual da Fazenda do RS) disse que o governo gaúcho quer um debate maior sobre alguns pontos do projeto de Pacheco diante da tragédia climática, como o indexador da dívida, a renegociação dos termos do RRF e a flexibilização de condições para contratação de crédito.
O valor oriundo de cada ativo que o governo poderia conceder em troca do desconto nos juros ainda não foi consolidado pela Sefaz.
O Rio Grande do Sul se desfez de suas principais estatais nos últimos anos, condição imposta para aderir ao RRF. Em 2019, o governador Eduardo Leite (PSDB) assinou a autorização para privatizar as estatais CEEE (energia elétrica), Sulgás (venda e distribuição de gás natural) e CRM (mineração). As duas primeiras já foram leiloadas.
Em 2023, foi assinado o contrato de venda da Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento), arrematada em leilão por R$ 4,15 bilhões.
A Sefaz-SP (Secretaria da Fazenda de São Paulo) diz que estuda o texto apresentado por Pacheco e que ele tem aspectos adicionais aos da proposta apresentada pelo Consórcio de Integração Sul e Sudeste (COSUD), no primeiro trimestre de 2024.
De acordo com o governo paulista, há atualmente 15 empresas sob coordenação direta do governador, como o Metrô, a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), a Companhia Docas de São Sebastião e a Prodesp (de tecnologia da informação).
Essa conta inclui a Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), que foi leiloada em abril com um lance de R$ 1,04 bilhão dado pelo Fundo Phoenix.
Também inclui a Sabesp, cuja privatização é uma das bandeiras do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e que teve a Equatorial como única finalista para se tornar acionista de referência na companhia de saneamento, conforme anunciado em junho.
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ESTADOS SUPERENDIVIDADOS
Passivo de cada unidade com o governo federal
1 – São Paulo
R$ 281,5 bilhões
2 – Rio de Janeiro
R$ 163 bilhões
3 – Minas Gerais
R$ 160 bilhões
4 – Rio Grande do Sul
R$ 96 bilhões
ARTUR BÚRIGO, NICOLA PAMPLONA, CARLOS VILLELA E DOUGLAS GAVRAS / Folhapress