SP tem três meses para retirar mais de 900 pacientes de manicômios judiciários

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A três meses do prazo para fechar hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP), os chamados manicômios judiciários, o estado de São Paulo precisa elaborar planos de tratamento individual e encaminhar mais de 900 pacientes para a rede de saúde, mas esse prazo não deve ser cumprido.

Com quase metade dos internados em hospitais de custódia do país, o estado convive com atraso em contratações e corre para atender ordens judiciais. Desde outubro, pacientes das duas unidades de Franco da Rocha são levados em grupos para fazer perícia médica em Taubaté.

A situação é de muito trabalho por fazer e pouco tempo, segundo integrantes do comitê que acompanha o cumprimento da resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para fechar manicômios judiciários. A data inicial para a interdição total dos hospitais foi prorrogada de maio para 28 de agosto.

A regra do conselho, baseada na lei 10.216, de 2001, orienta o atendimento para o retorno ao convívio social, que tem nos Caps (Centro de Atenção Psicossocial) seus principais equipamentos.

Um trabalho a ser feito é contratar as equipes conectoras, formadas por profissionais de saúde, assistência social e ciências humanas.

Elas são responsáveis por acompanhar a desinternação e o encaminhamento dos pacientes para os serviços de saúde e proteção social. A contratação ainda está em andamento, segundo a Secretaria da Saúde do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).

São Paulo abriga 925 pacientes, conforme dados de abril da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), distribuídos nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico Franco da Rocha I (430 homens e 69 mulheres), Franco da Rocha II (186 homens) e Taubaté (240 homens).

A Folha apurou que os pacientes de Franco da Rocha têm sido levados pela SAP, em grupos às vezes com dez pessoas, para o hospital de custódia de Taubaté. O motivo seria a falta de psiquiatra nas unidades de origem para fazer a perícia de cessação de periculosidade, que pode determinar a permanência ou a saída da unidade para tratamento ambulatorial.

Os pacientes vão para Taubaté pela manhã, passam pela avaliação de um psiquiatra na unidade, e retornam à tarde para Franco da Rocha, o que implica análises individuais de várias pessoas em uma parte do dia.

A Secretaria de Administração Penitenciária nega a falta de psiquiatra, mas confirma os deslocamentos. “Desde outubro do ano passado, pacientes dos HCTPs de Franco da Rocha estão sendo levados ao HCTP de Taubaté para essas perícias com o objetivo de garantir o atendimento das demandas nos prazos determinados pelo Poder Judiciário.”

Segundo dados da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), o país tinha, em dezembro de 2023, 2.314 pessoas nessa modalidade. Desse total, 959 estavam internadas no sistema penitenciário paulista, e oito faziam tratamento ambulatorial.

O problema, segundo a lei 10.216/2001, é a manutenção por tempo indefinido das pessoas nessas unidades, afastando-as do convívio social e familiar e deteriorando sua saúde mental. O tratamento deve ser feito preferencialmente na rede de atenção psicossocial. Isso já acontece em outros estados, como Goiás.

Segundo Bruno Shimizu, diretor do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a internação ainda é prevista na lei de execução penal, de 1984. Mas a aplicação da lei antimanicomial, de 2001, começou a mudar essa prática para pacientes psiquiátricos. “Mas fora da justiça criminal”, ele ressalta.

Hoje, segundo a Secretaria de Saúde, se o juiz determina a desinternação, o hospital de custódia comunica a prefeitura para verificar onde a pessoa pode morar -sozinha, com familiares ou em um serviço de residência terapêutica (SRT), junto a outros pacientes.

A residência é para quem perdeu vínculos, diz a procuradora Lisiane Braecher, representante do MPF (Ministério Público Federal) no comitê que acompanha o cumprimento da resolução do CNJ em São Paulo.

“Para o Ministério da Saúde, quem deve ser encaminhado a SRT é quem fica mais de dois anos internado em hospital de custódia”, afirma Lisiane. O MPF, acrescenta a procuradora, tem procurado gestores para incentivar os municípios a abrirem vagas ou criarem serviços para receber internos ao longo dos anos.

Residências terapêuticas são municipais. Em SP há 380 unidades, com dez vagas cada uma, de acordo com o governo, que apoia a implantação e financia o serviço por seis meses.

Na capital paulista há 73 residências, com 688 vagas. Oito delas estão desocupadas, mas são destinadas a pacientes em processo de desinstitucionalização.

Segundo a defensora pública Camila Tourinho, que também integra o comitê, 30 pessoas em SP receberam ordem judicial de desinternação e ainda aguardam vagas no serviço de residência terapêutica.

Tourinho aponta a falta integração entre a SAP e a pasta da Saúde, o que segundo ela dificulta o rastreamento do histórico dos pacientes e a preparação para a saída.

“Essas pessoas deram entrada nos hospitais anos atrás e não houve uma aproximação com a rede de atenção psicossocial do município de referência delas. Aí víamos também que o projeto terapêutico singular nunca havia sido feito”, afirma.

Ainda há casos, dizem especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, em que a desinternação não acontece porque ao paciente não tem para onde ir ou não possui condições para se manter.

O fim dos manicômios judiciários caminha lentamente enquanto é questionado na Justiça e no Legislativo. No ano passado, duas ações foram ajuizadas no STF (Supremo Tribunal Federal) -uma, do Podemos, foi rejeitada pelo ministro Edson Fachin.

Em setembro do ano passado, o juiz titular da 5ª Vara das Execuções Criminais, Paulo Eduardo de Almeida Sorci, declarou inconstitucional o prazo dado pelo CNJ para as interdições e determinou uma internação em hospital psiquiátrico -medida contrária ao que diz o conselho. É Sorci que deverá analisar os encaminhamentos de pacientes dos manicômios judiciários para a rede paulista de saúde.

Para o desembargador Gilberto Garcia, supervisor do GMF (Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário) do TJ-SP, o juiz tem autonomia nas decisões, que podem ser contestadas na Justiça.

Segundo Garcia, que supervisiona o comitê de monitoramento da política antimanicomial em SP, as instituições envolvidas têm se esforçado para cumprir a resolução. “São Paulo está lutando para que os prazos sejam cumpridos com responsabilidade, para não colocar nem a sociedade nem os pacientes e suas famílias em risco.”

LUCAS LACERDA / Folhapress

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