SPFW mergulha em técnicas tradicionais de costura para alicerçar indústria no país

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A chegada de mais uma edição da São Paulo Fashion Week faz questionar quais elementos definem o mercado nacional da moda. Seja a pluralidade de corpos, etnias e culturas, seja o resgate de saberes tradicionais, as práticas de sustentabilidade ou a irreverência na concepção das peças que chegam à passarela.

O tema desta SPFW é “Sintonia”. Com isso, o principal evento de moda da América Latina quer dar à indústria um peso maior do que a de um simples negócio, e a elevar a um patamar de fenômeno cultural e social. A ideia é consolidar o equilíbrio entre as etapas de produção, desde a concepção das peças até a seleção do casting dos desfiles, passando pela escolha de materiais.

“O evento foi pensado como um projeto de longo prazo, de 30 anos, para alinhar movimentos de mercado e trabalhar na construção de uma cultura de moda no Brasil, reflexo de nossas muitas identidades e de uma natureza diversa, generosa e exuberante. As conquistas que colhemos são frutos das sementes plantadas ao longo dessas quase três décadas”, afirma Paulo Borges, fundador e diretor criativo da semana de moda.

Nesta edição, a moda se conecta com o que há de mais brasileiro na arte já na abertura do evento, com a apresentação da Orquestra Sinfônica de Heliópolis –a primeira no mundo criada numa favela– nesta quarta-feira, no shopping JK Iguatemi. Com o retorno da marca Aluf às passarelas da SPFW, a orquestra terá regência do maestro Edilson Ventureli, que apresentará um repertório com obras de Heitor Villa-Lobos, Antonin Dvorak e Alexander Alyabyev.

Em sua 57ª edição, a SPFW recebe apenas duas marcas estreantes. Uma delas é a cearense Catarina Mina, idealizada por Celina Hissa, que recorre a saberes tradicionais para a construção de sua coleção com 40 looks feitos à mão. Em seu desfile, a marca deve destacar o protagonismo de artesãs, por meio da renda cearense, além do uso de outras cinco técnicas –filé, bilro, labirinto, bordado e crochê.

A construção de peças por meio de técnicas tradicionais tem sido destaque das últimas edições da SPFW, sendo um dos nomes mais prestigiados o da marca Helô Rocha, que desfilou na última edição. Sobre o possível esgotamento dessa tendência, Graça Cabral, uma das fundadoras da semana de moda, é otimista.

“Existe uma percepção afetiva. Não há uma pessoa no Brasil que não tenha alguém na família que costure, que borde, que faça crochê. Diria que é quase um fio que une o país. A gente sempre ouve os estilistas declarando que viu a mãe ou a avó costurando, e que sua inspiração veio daí”, diz Cabral. “É um resgate que veio para ficar e que eu, particularmente, acho fantástico, porque são coisas que tendem a se perderem.”

A outra estreante dessa edição é a grife Reptilia, da curitibana Heloisa Strobel. Formada em arquitetura, a estilista vai desfilar peças funcionais e minimalistas e, ao mesmo tempo, esculturais. A coleção “Indelével” propõe uma moda que seja atemporal. Nela, o espectador será inserido numa atmosfera modernista, com roupas multi-funcionais e desmontáveis.

“Como arquiteta de formação, gosto de trabalhar as formas, mas a gente nunca pode esquecer a função. Arquitetura é isso. Não basta você fazer uma coisa que é bonita, ela tem que ter uma justificativa. No caso da roupa, ela tem que vestir, abraçar o corpo, servir para as várias funções que a gente tem no nosso dia a dia”, afirma Strobel, que já vestiu nomes como a jornalista Natuza Nery e a primeira-dama Janja.

O evento, que acontece de 9 a 14 de abril, desta vez com 27 desfiles, contará com o retorno de veteranos da moda brasileira, como Glória Coelho, André Lima e Amapô Jeans.

Glória Coelho abre o último dia da semana de moda para celebrar 50 anos de carreira num desfile que mergulha na própria trajetória, o que inclui looks arquitetônicos, numa mistura de minimalismo com futurismo.

Outra marca que deve recorrer a seu próprio acervo para celebrar suas duas décadas na SPFW é a Amapô, das designers Carol Gold e Pitty Taliani. Para isso, a grife contará com uma passarela nostálgica. “Só de pensar em fazer um outro desfile, gerar mais roupa, me dava um pouco de pânico”, afirma Gold. “Foi difícil encontrar [no acervo] algo que não fosse relevante hoje. Jeans é atemporal. A partir desse desfile, podemos pensar uma próxima etapa.”

Sobre o que o público pode esperar, a estilista se volta para como a marca ficou conhecida. “Nossa criatividade se expande para um lugar mais lúdico, né? Para um lugar que não se leva tão a sério, que está sempre um pouco ligado ao humor, seja ele mais sarcástico ou mais palhaço.”

Outra etiqueta também conhecida pelo humor e pela irreverência é a Dendezeiro, que faz tributo ao street style brasileiro e tenta desmistificar a antiga definição de brega que o Brasil até então carregava.

Nessa busca, a dupla de estilistas Pedro Batalha e Hisan Silva mergulhou na última edição, por exemplo, no design de itens que são o retrato do país, como o filtro de barro, o dominó, o espelhinho laranja, o telefone orelhão, transformando elementos do cotidiano em peças inusitadas.

“Queremos criar essa conexão com o que é do dia a dia. E a gente aplica a fantasia artística também ali. Isso faz parte da nossa liberdade enquanto artista”, diz Batalha. “Assim, conseguimos criar uma conexão mais próxima das pessoas com a arte. Que a arte tem esse local da intocabilidade, mas queremos sempre romper um pouco esse limite e trazer expressões artísticas para a vida das pessoas.”

Para além da dimensão artística de seu trabalho, o estilista fala também da dimensão sustentável, e da preocupação da busca de uma matéria-prima que respeite o meio ambiente e os trabalhadores. “Antes de chegar às passarelas, sempre nos perguntamos como crescer sem reproduzir o mesmo sistema que explora.”

Se nas edições anteriores, o público precisou cruzar a cidade de São Paulo para comparecer aos desfiles, desta vez, a SPFW contará com apenas dois endereços fixos, os shoppings JK Iguatemi e Iguatemi, na região da Faria Lima.

A exceção fica por conta das marcas Glória Coelho, que se apresenta na galeria Nara Roesler, AZ Marias, no Teatro Oficina, e Amapô, no Love Cabaret. Por fim, João Pimenta encerra a temporada desta semana de moda, no dia 14 de abril, no alto do edifício Martinelli, como mais uma das celebrações de seu centenário.

A organização do evento promete uma estrutura que evite os atrasos constantes na última edição, que contou com desfiles começando até duas horas após o horário.

“Temos poucas modelos trabalhando, e o cruzamento [quando uma modelo vai de um desfile para outro logo em seguida] atrasou muito a última edição. Esperamos eliminar ou ao menos minizar esse problema”, diz Paulo Borges, o fundador da SPFW. Após alguns anos disponibilizando a venda de ingressos, o evento voltou a ser fechado para convidados, o que pode mudar nas próximas edições.

NADINE NASCIMENTO / Folhapress

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