SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As mulheres se fazem presentes em diversos espaços da São Paulo Fashion Week. São modelos, maquiadoras, cabeleireiras, costureiras, assessoras, jornalistas. Isso pode levar a crer que esse ambiente não sofre da falta de representatividade feminina, no entanto, temos uma minoria de mulheres como diretoras criativas de marcas.
Essa barreira aos poucos vem sendo superada. Se na temporada passada da SPFW, dentre as 38 grifes que desfilaram, 13 eram comandadas por elas, nesta edição a discrepância diminuiu. Dos 31 estilistas, 13 eram mulheres -sendo apenas uma delas negra- e ao menos duas pessoas se declararam não binárias.
Eram nomes femininos que estavam por trás da abertura e do encerramento da semana de moda. A grife Aluf, comandada por Ana Luisa Fernanda, deu início aos trabalhos com a coleção “Prosopopéia”, inspirada em imagens do barroco brasileiro, trazendo o preto e o dourado para a passarela de maneira bem generosa. Já a grife Amapô comemorou seus 20 anos, encerrando o evento com um desfile que revisitou seu acervo.
A SPFW N57, que aconteceu entre os dias 9 e 14 de abril, contou ainda com um total de sete estilistas que se consideram negros e mais um indígena. Maior diversidade de mentes criativas por trás das marcas também se refletiu na passarela –sendo na composição do casting ou na proposição de looks que atendem públicos mais plurais.
A tendência de estilistas não brancos privilegiarem modelos também não brancos é evidente. Assim como designers mulheres que compõem castings de corpos diversos e de variadas faixas etárias.
Um exemplo disso foi a grife estreante na SPFW, a Reptilia, que levou um grupo de modelos de diferentes idades. As mulheres 40, 50 e 60+ desfilaram uma coleção inspirada na arquitetura, formação da estilista Heloisa Strobel.
“Fico feliz de prestigiar mulheres estilistas na nossa moda. A nossa primeira grande musa foi Zuzu Angel, que abriu a porta para estarmos aqui hoje. Ela quebrou essa barreira de que a mulher só podia ser costureira. É como a cozinheira que não pode ser chefe de cozinha. Pode ser, sim”, disse Isa Isaac Silva, criadora da marca homônima, logo após o desfile da Reptilia.
Outro destaque nesse sentido foi a grife Weider Silveiro. Com um casting 100% não branco, a marca fez um resgate ancestral na passarela. O designer piauiense se inspirou em seu trabalho de conclusão de curso, apresentado há cerca de 20 anos, para desfilar uma coleção que enaltece os ornamentos tradicionais africanos.
“Adoro fazer esse exercício de olhar para trás, olhar para o meu próprio trabalho e ressignificar. Revisitei minha pesquisa para abordar de forma mais consciente os ornamentos africanos. E mesclo isso muito com o meu torrão natal. Falo muito sobre as manualidades nordestinas. É sobre minha ancestralidade africana, enquanto criador preto e nordestino”, afirma Silveiro.
Já Cíntia Felix, única criadora negra que levou uma coleção para a SPFW e nome por trás da AZ Marias, apresentou um desfile conduzido por um dos elementos vitais: o ar. Nas outras edições, a etiqueta já havia passado pela terra, pelo fogo e pela água. Inspirada no conto das borboletas de Oyá -orixá dos ventos- e nas relações maternas, a estilista apresentou 25 looks divididos entre os temas brisa, nuvem e fumaça.
Felix quis homenagear, em especial, a maternidade negra. “Ainda somos poucas, mas, bem, nós somos pessoas que florescem, né? Então, onde eu estiver, vou levar mais dos meus. E onde eu estiver, vou estar representando toda uma população. Não como um totem ou uma pessoa única, mas como uma das faces dessa negritude e dessas forças negras.”
Quem também apresentou uma seleção de modelos etnicamente diversa foi a veterana Gloria Coelho, que voltou à SPFW para celebrar os 50 anos de história. A estilista, que em 2020 se colocou contra o mecanismo de cotas para modelos em desfiles do evento e foi acusada de racismo, mudou o tom nesta edição.
“Nos preocupamos com o casting porque temos que representar todo tipo de pessoa: baixinhas, altas, mais cheinhas, afros, orientais.” A marca, no entanto, não levou nenhuma modelo gorda à passarela.
Outras marcas comandadas por mulheres que passaram por esta edição da semana de moda foram: Catarina Mina, Fauve, Forca, Marina Bitu, Lilly Sarti, Patricia Vieira e Renata Buzzo.
Para além do tópico da diversidade, chamou a atenção nesta temporada as locações escolhidas para os desfiles, que se concentraram nos shoppings JK Iguatemi e Iguatemi.
Com isso, a SPFW acabou se tornando um evento de shopping. O que pode parecer apropriado, se não fossem os convidados tendo de atravessar a praça de alimentação, entre o Burger King, o Baked Potato e o Viena, com seus looks espalhafatosos, para assistir aos desfiles.
Se antes a semana de moda era conhecida por ter como cenário a elegante Bienal, no Parque Ibirapuera, ou até o alternativo Komplexo Templo, na Mooca -até a última temporada-, nesta edição o evento se concentrou em ambientes por onde passam seus principais consumidores. A mudança faz pensar se, com isso, a SPFW perdeu um pouco do seu caráter artístico para ser mais comercial.
As exceções ficaram por conta das marcas AZ Marias, que se apresentou no Teatro Oficina, na quinta; além de Glória Coelho, na galeria Nara Roesler, Amapô, no Love Cabaret, e João Pimenta, no edifício Martinelli, neste domingo.
Entre as principais tendências para a próxima estação apresentadas nesta SPFW ficaram as cores preto, branco e cinza, além do verde, amarelo, laranja e marrom em seus tons mais terrosos.
A alfaiataria também foi a grande estrela na maior parte dos desfiles. Duas peças para se atentar são os microtops, que tampam apenas as aréolas dos seios -das coleções de André Lima, Forca, Weider Silveiro e Glória Coelho-, e as hot pants ou calcinhas, que dispensam calças –tendência capitaneada pela italiana Miu Miu, que ganhou espaço por aqui também.
NADINE NASCIMENTO / Folhapress