SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Foi uma espera de muitos anos. E, quando ninguém mais acreditava, Stephen Curry surpreendeu a todos e conseguiu. Não, a demora não é referente ao quarto anel da NBA ou ao recorde de cestas de três pontos, mas sim ao diploma universitário em Davidson.
“Foram 14 anos desde que saí até a minha graduação, mas valeu a pena esperar, foi algo que me deixou extremamente orgulhoso”, celebra Curry, em entrevista online para divulgar o documentário “Subestimado”, que acaba de chegar à plataforma de streaming da Apple TV+.
Com Ryan Coogler (diretor dos dois “Pantera Negra”) como um dos produtores e Peter Nicks (premiado em Sundance) na direção, o documentário se concentra quase que inteiramente nos anos de Curry pré-NBA, na origem em Davidson do astro baixinho e magrelo (hoje tem 1,88 m), que era ainda mais baixinho e mais magrelo.
Nicks intercala a trajetória de Curry em Davidson com cenas atuais de sessões de treinos individuais ou no conforto de seu lar, quando é possível ver o cestinha do Golden State Warriors concluindo sua tese, na qual defendia a igualdade de gênero no esporte –Curry é pai de duas meninas e um menino.
“Mas ganhar o título [da NBA] foi definitivamente mais difícil [do que o diploma]. Por isso que a gente comemora derramando champanhe no vestiário, porque percebe quão difícil realmente é”, afirma.
Nascido em Oakland, cidade dos três primeiros títulos dos Warriors com Curry (a franquia se mudou para a vizinha San Francisco), Coogler era o mais empolgado com o projeto.
“Eu estava animado para trabalhar com alguém que tem transformado grandes coisas na área, que nos trouxe tanto orgulho e ótimas lembranças. Fomos ótimos parceiros. Curry veio com ideias realmente empolgantes. Ele não estava no projeto por vaidade ou algo assim. Deixou os cineastas criarem, o que é raro hoje em dia”, diz o produtor, conhecido também como diretor do drama esportivo “Creed: Nascido para Lutar”, derivativo da série “Rocky”.
Antes de voltar no tempo, o documentário começa justamente com a façanha do jogador, que bateu a marca de 2.973 cestas de três pontos de Ray Allen, no mítico Madison Square Garden, para se tornar o maior gatilho de longa distância da NBA (atualmente já está com 3.390, e contando).
Naquela mesma noite, durante a festa com colegas de time, amigos, familiares e equipe técnica, estava lá um sujeito branco, enrugado e de cabeça grisalha, a quem Curry agradece. Era Bob McKillop, técnico dos Wildcats de Davidson, e um dos homens que enxergaram o talento nato de Curry.
“Tive um treinador que acreditou em mim mais do que eu mesmo poderia ter acreditado, viu um potencial que não vi.” De fato, McKillop relembra como se envolveu com o recrutamento de Curry e lhe deu um lugar no time titular logo em seu ano de calouro, algo não tão comum. Cenas de arquivo mostram Curry trajando um uniforme que parece ter sido feito para uma pessoa com o dobro de seu tamanho.
McKillop ignorou a estreia ruim do jogador pelos Wildcats, quando ele cometeu 13 “turnovers” –situação em que o atleta perde a bola por erro ou displicência. Aliás, Curry ainda é um campeão de “turnovers”, mas sua perseverança e pontaria compensam, muitas vezes no mesmo jogo. Na partida seguinte em Davidson, McKillop manteve o camisa 30 como titular, e ele marcou 32 pontos.
O grande momento esportivo do documentário é o conto de Cinderela vivido pela equipe em 2008. Na ocasião, o modestíssimo Davidson, da Carolina do Norte, surpreendeu potências universitárias e foi avançando no campeonato nacional a ponto de levar para a plateia o astro LeBron James, que queria assistir ao jovem Curry. Após partidas memoráveis dos Wildcats, com viradas improváveis comandadas pelo cestinha, o time foi eliminado antes de chegar ao Final Four, que reúne os quatro semifinalistas.
Foi justamente depois deste torneio que Curry resolveu entrar no Draft da NBA, o sistema de recrutamento de calouros da liga. Foi a sétima escolha e deixou Davidson um ano antes do que seria a conclusão do curso. “Mas fiz uma promessa ao técnico McKillop e à minha mãe quando deixei Davidson. Eu disse a eles que terminaria minha graduação.”
Para o atleta, o documentário não deve ser encarado necessariamente do ponto de vista esportivo. “Acho que fala sobre alguns princípios de vida, perseverança, trabalho duro, dedicação a um ofício”, diz. “Isso é uma grande parte do que me torna quem eu sou, o que talvez me leve a um mergulho profundo no meu sucesso na NBA.”
Curry usa mais de uma vez o termo “subestimado”, que dá título ao longa, mas não como forma pejorativa. Ele usou o adjetivo para moldar sua própria motivação e personalidade no jogo. É quase como se ele ainda quisesse ser desacreditado antes de entrar em quadra.
“Meu tempo em Davidson me levou às primeiras experiências no basquete, que desenvolveram uma mentalidade subestimada que tenho em meu DNA e uso ainda como motivação”, conta. “Eu sei que isso é o que tira o melhor de mim, então tento manter essa mentalidade a todo custo.”
Se ainda tem algo a provar? “Sempre. Essa é a motivação. Você quase tem que se enganar para não ter saciedade depois de realizar alguma coisa”, diz.
Com jovens promessas entrando na liga, como o candidato a ídolo Victor Wembanyama, do San Antonio Spurs, e fortes equipes sendo montadas, como o Phoenix Suns, capitaneado pelo amigo Kevin Durant, Curry ainda acredita que os Warriors podem voltar a ganhar.
“Quero mais campeonatos, esse é o objetivo. É por isso que trabalhamos tanto. Mesmo nesta fase da minha carreira, eu realmente acredito que sou capaz de jogar em alto nível, e nosso time também. Essa é a maior motivação.” Como o documentário mostra, não convém subestimá-lo.
SANDRO MACEDO / Folhapress