SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quase dez anos após a publicação da Lei dos Caminhoneiros, o STF (Supremo Tribunal Federal) ainda debate pontos da regra, que podem criar um passivo trabalhista bilionário para as empresas do setor, calculado em R$ 255,6 bilhões.
O julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.322 contestando parte da lei 13.103, de 2 de março de 2015, ocorreu em junho do ano passado, mas dois recursos pedindo esclarecimentos da decisão voltaram à corte neste mês.
Em 2 de agosto, o plenário virtual do Supremo começou a discutir os embargos de declaração apresentados por representantes das empresas de transporte e dos trabalhadores, mas o debate foi interrompido na quinta-feira (8), após pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
O pedido de vista é uma solicitação de mais prazo para analisar o tema. Por regra, o ministro tem prazo de até 90 dias para devolver o processo e, então, novo julgamento será marcado.
Um dos principais pontos a serem esclarecidos pelo STF é a partir de que data devem ser aplicados os entendimentos dos ministros definidos no julgamento do ano passado: se a partir da data de entrada da lei em vigor ou se após o julgamento da corte.
A defesa feita tanto por trabalhadores quanto por empregadores é de que o marco seja a partir de junho de 2023, quando ocorreu ou julgamento, e os efeitos não sejam retroativos, ou seja, não valham desde que a legislação foi publicada.
O motivo é que a Lei dos Caminhoneiros aprovada por Câmara e Senado no governo Dilma Rousseff (PT) trouxe dispositivos considerados inconstitucionais pelos ministros do STF. Entre eles estão as regras do descanso semanal remunerado e do intervalo interjornada, entre um dia e outro de trabalho.
O Supremo julgou também o tempo de espera pela carga como sendo de trabalho e não de descanso, e entendeu que não é constitucional o motorista descansar com o caminhão em movimento, que se dá com revezamento entre dois motoristas enquanto um dirige o outro dorme.
Segundo o advogado Orlando Maia Neto, sócio do Ayres Britto Advocacia e que atua no processo como amicus curiae (amigo da corte) representando as empresas do setor de transporte de combustível, a legislação permitia a flexibilização de alguns direitos previstos na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), entre eles a divisão do tempo de descanso interjornada, o descanso em movimento e não fazer a pausa semanal em viagens longas.
Pela lei de 2015, o motorista poderia descansar menos horas entre um dia de trabalho e outro e acumular as horas faltantes para tirá-las no futuro. O mesmo ocorria com o descanso semanal. Em viagens longas, o caminhoneiro também podia ficar sem folga e, depois, tirava esse período ao voltar para a cidade de origem, chamada de base.
“As empresas seguiam como estava na lei, porque, na realidade, a lei refletiu uma prática que já ocorria”, diz ele, que é advogado do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás). “As empresas e os trabalhadores em si acordavam de descansar só lá na frente, mas o Supremo falou que isso não dá.”
Como a regra foi considerada inconstitucional, é preciso cumprir os prazos de descanso entre uma jornada e outra e nas viagens longas, além de contar na jornada o período em que o motorista espera o caminhão ser carregado. Com isso, o setor de transporte estima ser necessário aumentar em 20% a frota de caminhões.
Maia Neto afirma que, no setor de transporte de combustíveis, há ainda um agravante, que é o fato de caminhão precisar ser adaptado e o motorista é especializado e precisa passar por cursos, com isso, aumentar a frota não seria tão simples.
A CNT (Confederação Nacional dos Transportes), que representa empregadores, pediu ao menos mais dois anos para se adequar, e voltou a requerer a possibilidade de descanso em movimento. As duas solicitações, no entanto, já foram negadas pelo ministro relator, Alexandre de Moraes.
Em seu relatório, o ministro acatou a solicitação da CNT e da CNTT (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres), de modular os efeitos da decisão a partir do julgamento as regras devem valer a partir de agosto de 2023, data de publicação da ata e também atendeu a um outro pedido dos trabalhadores, de que as convenções coletivas tenham validade sobre leis, desde que não derrubem direitos constitucionais.
O voto do relator foi seguido pelos ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino e Cármen Lúcia. Depois, houve pedido de vista de Dias Toffoli. Ao retomar o julgamento, Toffoli será o primeiro a apresentar seu voto.
O QUE DIZ A LEI DOS CAMINHONEIROS
Aprovada após pressão da categoria em uma greve no governo da presidente Dilma Rousseff (PT), já na esteira do pedido de impeachment caminhoneiros era a favor da queda da presidente, a lei 13.103 regulamentou a profissão de motorista profissional e determinou algumas regras sobre a jornada de trabalho dos caminhoneiros, que diferiam do que diz a CLT.
A lei determinava uma hora de almoço por dia, 11 horas de descanso entre um dia de trabalho e outro, e descanso semanal de 35 horas em viagens longas. A prorrogação da jornada de trabalho poderia ser de até duas horas por dia, pagas com o acréscimo de 50% ou conforme acordo coletivo.
O acordo coletivo poderia permitir a redução das 11 horas de descanso para até nove, desde que houvesse compensação no dia seguinte.
O QUE DECIDIU O SUPREMO SOBRE A LEI DOS CAMINHONEIROS
É inconstitucional a parte da legislação que permitia o fracionamento do descanso noturno, entre uma jornada de trabalho e outra, assim como o fracionamento e o acúmulo do descanso semanal. “O descanso tem relação direta com a saúde do trabalhador, constituindo parte de direito social indisponível”, disse o relator, ministro Alexandre de Moraes, no seu voto.
Outro ponto considerado inconstitucional foi contar como descanso o período em que o motorista ficava aguardando o caminhão ser carregado. Ele deve entrar na jornada de trabalho e, se for o caso, ser considerado hora extra.
A possibilidade de descanso com o veículo em movimento, por meio de revezamento de motoristas, foi negada. Agora, a CNT contesta. Moraes negou novamente, mas ainda há outros ministros para apresentarem seus votos.
Ao todo, no julgamento de junho de 2023, 11 pontos foram considerados inconstitucionais.
CRISTIANE GERCINA / Folhapress