BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que paralisou investigação sobre kits de robótica que atinge o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) começa a ser julgada na corte nesta sexta-feira (11).
O tribunal pode sepultar toda a investigação, iniciada no ano passado, ou autorizar a continuidade do caso. O julgamento é virtual e os ministros terão até o dia 21 para votar.
Gilmar Mendes suspendeu o inquérito policial em julho ao concordar com argumento de Lira de que a PF desrespeitou seu foro especial no andamento do caso.
O entendimento é o de que Lira teria sido alvo da polícia desde o início das investigações.
As investigações da PF, no entanto, seguiram por mais de oito meses antes de chegarem a uma pessoa relacionada ao presidente da Câmara.
O nome de Lira só apareceu na investigação com a deflagração da operação policial em junho, ocasião em que os policiais encontraram uma lista com pagamentos atribuídos a ele. No mesmo mês, a PF remeteu o caso ao STF por causa do foro.
O próprio presidente da Câmara, que nega envolvimento em qualquer irregularidade, disse em entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura, na semana passada, que não há citação do seu nome nas milhares de páginas do processo. Mesmo assim, ele foi ao STF e garantiu a paralisação do trabalho policial.
Em abril de 2022, a Folha de S.Paulo mostrou que o governo Jair Bolsonaro (PL) repassou R$ 26 milhões para sete cidades alagoanas adquirirem kits de robótica. Os municípios tinham contratos com uma empresa, a Megalic, ligada a uma família aliada ao grupo político do presidente da Câmara.
Os recursos, liberados com velocidade incomum, eram de emendas de relator, parte do orçamento controlada pelo político alagoano.
A Folha de S.Paulo revelou naquele mesmo mês que as licitações realizadas nos municípios, e pelas quais os kits foram comprados, tinham indícios de fraudes. Também mostrou que Megalic pagou R$ 2.700 pelos equipamentos e os vendeu por R$ 14 mil.
Foi a partir de maio de 2022 que a PF iniciou a investigação para apurar supostos superfaturamentos na compra desses materiais e fraudes nas licitações. O foco inicial foi o casal sócio da Megalic, Roberta Lins Costa Melo e Edmundo Catunda.
Dessa forma, os investigadores levantaram inicialmente, em fontes abertas, empresas e pessoas relacionadas à Megalic, Lins e Catunda. Em paralelo, analisaram apurações já em curso na CGU (Controladoria-Geral da União) e no Tribunal de Contas da União e se debruçaram sobre supostas irregularidades nos processos licitatórios.
Somente após julho do ano passado é que a PF solicitou acesso a relatórios de inteligência financeira nos quais figurassem operações bancárias suspeitas do casal Catunda e de suas empresas.
Foi a partir desse ponto que surgiram vultuosas transferências com outras pessoas que passaram a ser investigadas, como o policial civil Murilo Sérgio Jucá Nogueira Júnior e o casal Pedro Magno Salomão Dias e e Juliana Cristina Batista Salomão Dias.
A polícia então criou duas frentes de trabalho: em Alagoas, onde fica a Megalic, e no Distrito Federal. O inquérito registra monitoramento presencial da movimentação do casal Pedro e Juliana, em Brasília, a partir de novembro. Os investigadores flagraram diversos saques de grandes quantias de dinheiro vivo e entrega em diferentes endereços, inclusive em estados como Santa Catarina e Goiás.
Esse monitoramento acompanhou o casal em Maceió em 30 de janeiro deste ano. Foi nessa data que a polícia identificou que o casal, após sacar R$ 115 mil em agências bancárias, usou uma picape em nome de Murilo Sérgio Jucá Nogueira Júnior para ir a uma residência na capital alagoana.
A polícia identificou, então, que a residência é de Luciano Ferreira Cavalcante, um dos principais assessores de Lira; e que a picape era usada por Cavalcante e sua mulher. Cavalcante, no entanto, não estava lotado no gabinete de Lira, mas sim na liderança do PP, o que não o ligava no momento ao presidente da Câmara.
Na manhã de 1º de junho, a PF deflagrou a Operação Hefesto. Os mandados de busca e apreensão miraram as pessoas relacionadas no monitoramento de transações com a Megalic e seus sócios, e entre eles Luciano Cavalcante.
Com Cavalcante e seu motorista, Wanderson de Oliveira, a polícia encontrou listas de pagamentos atrelados ao nome de “Arthur”. Durante as buscas, a PF encontrou ao menos R$ 4,4 milhões em um cofre superlotado com dinheiro vivo em um endereço em Maceió ligado ao policial Murilo Sérgio Jucá Nogueira Júnior.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, depois de encontrar as citações a Lira, a PF encaminhou o caso ao STF.
Após a deflagração da operação, o jornal revelou que a picape em nome de Murilo foi usada na campanha de Lira. Mostrou ainda que Catunda e Luciano Cavalcante estiveram juntos no FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do MEC que gerencia os recursos usados na compra dos kits de robótica.
A Procuradoria-Geral da República também se alinhou ao argumento de Lira. O órgão pediu que o STF anule a investigação. No pedido, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, defende que a investigação deveria ter sido iniciada no Supremo, e não na primeira instância.
Na liminar de Gilmar, o ministro afirma que “a hipótese investigativa aventada pela Polícia Federal claramente apontava para a participação” de Lira porque as reportagens da Folha de S.Paulo que motivaram a investigação policial “insinuam o envolvimento do parlamentar com as empresas sob investigação”. Sob esse argumento, deveria ter sido o STF a instância a autorizar a investigação.
Em junho, a defesa de Luciano Cavalcante disse que as imagens feitas pela PF não demonstram nenhuma atividade ilícita dele e que não há relação do investigado com a empresa responsável pelos kits.
A defesa da Megalic afirmou haver “grave equívoco” nas suspeitas e que todos os contratos se deram a partir de parâmetros técnicos do Ministério da Educação e do FNDE, com processo licitatório e ampla competitividade.
PAULO SALDAÑA E FABIO SERAPIÃO / Folhapress