STF forma 4 a 2 contra marco temporal após votos de Zanin e Barroso

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os ministros Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), votaram contra a validade do marco temporal das terras indígenas, nesta quinta-feira (31).

Com isso, o placar do julgamento já está em 4 a 2 contra a tese defendida pelos ruralistas, que estabelece que a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos até a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.

Após o voto de Barroso, a sessão foi suspensa e o julgamento voltará na próxima quarta-feira (6).

Zanin acompanhou o voto do relator, ministro Edson Fachin, para reconhecer que os direitos sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades indígenas não estão limitados ao marco temporal.

Ele disse que está na hora de aprimorar a interpretação constitucional acerca do tema, “reconhecendo-se de forma explícita o acolhimento da teoria do indigenato e proibindo-se qualquer retrocesso que reduza a proteção constitucional aos povos originários”.

Segundo Zanin, é impossível impor qualquer tipo de marco temporal em desfavor dos povos indígenas, que têm a proteção da posse exclusiva desde o Império, e, em sede constitucional, a partir de 1934.

O ministro afirmou que a Constituição de 1988 é clara ao dispor que a garantia de permanência dos povos indígenas nas terras tradicionalmente ocupadas é indispensável para a concretização dos direitos fundamentais básicos destes povos.

Zanin também acompanhou o voto do relator na parte em que reconhece o direito à indenização das benfeitorias decorrentes das ocupações de terras indígenas feitas de boa-fé, mas foi além. Para ele, também é preciso indenizar o valor da terra nua, em casos decorrentes de titulação indevida concedida pelo ente público ao particular de boa-fé.

Ele disse que responsabilidade civil não se restringe à União e deve alcançar o ente público que gerou os danos causados decorrente da titulação indevida, devendo ser aferida caso a caso.

O ministro também afirmou que os procedimentos de demarcação de terras indígenas devem receber tramitação célere e prioritária, em razão do atraso de 30 anos do Estado brasileiro em cumprir o compromisso de concluir a demarcação das terras indígenas cinco anos após a Constituição de 1988.

Já Barroso afirmou que extraiu do caso da Raposa Serra do Sol a visão de que não existe um marco temporal fixo e inexorável para as demarcações.

“A ocupação tradicional também pode ser demonstrada pela persistência na reivindicação de permanência na área por mecanismos diversos, como a perambulação da população pela área, permanência de residentes indígenas como empregados e a utilização de locais para rituais”, disse.

Do lado de fora do Supremo, pelo segundo dia seguido, indígenas acompanharam a votação por um telão. A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) pretende manter a mobilização em Brasília até o fim do julgamento e já se prepara para seguir na capital federal até a próxima semana, uma vez que a expectativa é que não seja formada maioria ainda nesta quinta.

Pelo telão, o grupo comemorou o voto de Zanin. Havia apreensão sobre como o novo ministro se manifestaria.

A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, disse que o voto do ministro traz esperança e confiança aos povos indígenas.

“O tema do marco temporal parecia estar com um encaminhamento muito difícil [no início do dia], mas os ancestrais sempre estiveram junto aos povos indígenas e nunca nos abandonaram nos momentos difíceis”, disse.

Já a presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joenia Wapichana, criticou o entendimento de que o caso da Raposa Serra do Sol dê argumentos a favor da tese do marco e disse que o os indígenas do local foram vitimas de violência por anos antes da demarcação.

“Os povos indígenas não estão vivendo em um lixão, mas sim da terra, de sua sustentabilidade e, principalmente, do seu trabalho”, afirmou à reportagem.

Ela também elogiou o voto de Zanin. “O marco temporal, além de não considerar o passado violento que sofreram, faria com que os povos indígenas tivessem seus direitos constitucionais retalhados”, completou.

VOTOS ANTERIORES

O julgamento desta quinta havia recomeçado com o voto do ministro André Mendonça, que se manifestou a favor da tese. Ele fez uma longa retrospectiva histórica sobre os locais ocupados pelos indígenas desde o século 16 e disse que caso o marco temporal seja derrubado “descortina-se a possibilidade de revolvimento de questões potencialmente relacionadas a tempos imemoriáveis”.

“Essa hipótese, que por si só já me parece demasiadamente insegura, é ainda mais problemática na questão atual, no campo de uma viragem jurisprudencial”, acrescentou.

Para ele, caso o marco temporal não exista, haveria prejuízo à sociedade, porque retiraria “qualquer perspectiva de segurança jurídica” a respeito das demarcações.

Pelo critério do marco temporal, indígenas que não estivessem em suas terras até a data não teriam direito de reivindicá-las. Essa tese é criticada por advogados especializados em direitos dos povos indígenas, pois segundo eles validaria invasões e violências cometidas contra indígenas antes de 1988.

Em junho, Mendonça havia pedido vista (mais tempo para análise) do processo. Ele só vota na discussão sobre a fixação de uma tese constitucional a respeito da validade do marco temporal, porque está impedido de julgar o processo de referência para o caso -um recurso da Funai contra decisão do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) a favor da reintegração de posse de uma área tratada como de tradicional ocupação indígena em Santa Catarina.

Isso porque ele atuou, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), como advogado-geral da União nesse processo específico e defendeu a tese que restringe as demarcações de terras indígenas.

Também votaram contra o marco temporal os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, e a favor o ministro Kassio Nunes Marques.

Alexandre de Moraes votou contra a tese, mas propôs mudanças em relação à indenização que deve ser paga pela União a proprietários de terrenos em locais ocupados tradicionalmente por indígenas.

Segundo Moraes, se não houver esbulho (usurpação da posse), conflito físico ou controvérsia judicial na data da promulgação da Constituição, a União deve indenizar previamente o proprietário de terra localizada em ocupação tradicional indígena, em dinheiro ou em títulos da dívida agrária.

COMO JÁ VOTARAM OS MINISTROS DO STF SOBRE O MARCO TEMPORAL

_Placar está 4 a 2_

CONTRA

**Edson Fachin**

O relator argumenta que o direito dos povos indígenas às terras é anterior à criação do Estado e que, por isso, não deve ser definido por nenhum marco temporal. Lembrou que a Constituição define os direitos indígenas como fundamentais e diz que os povos têm “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.

**Alexandre de Moraes, com tese divergente**

O ministro foi contra a instituição de um marco temporal, mas abriu a possibilidade da criação de condicionantes para a demarcação de terras -como no caso da Raposa Serra do Sol-, dentre elas, a indenização de quem ficaria sem a área para que o território fosse delegado aos indígenas.

**Cristiano Zanin**

Indicado por Lula disse que está na hora de aprimorar a interpretação constitucional acerca do tema, “reconhecendo-se de forma explícita o acolhimento da teoria do indigenato e proibindo-se qualquer retrocesso que reduza a proteção constitucional aos povos originários”.

**Luís Roberto Barroso**

Afirmou que extraiu do caso da Raposa Serra do Sol a visão de que não existe um marco temporal fixo e inexorável para as demarcações. Para ele, a ocupação tradicional também pode ser demonstrada pela persistência na reivindicação de permanência na área por mecanismos diversos.

A FAVOR

**Nunes Marques**

Indicado por Bolsonaro, ele divergiu do relator e afirmou, em seu voto, que o marco cria segurança jurídica para as demarcações. Ele seguiu o entendimento criado no julgamento da terra Raposa Serra do Sol, que instituiu a tese pela primeira vez no Supremo

**André Mendonça**

O ministro defendeu que, caso o marco temporal não exista, haveria prejuízo à sociedade, porque retiraria “qualquer perspectiva de segurança jurídica” a respeito das demarcações. “Descortina-se a possibilidade de revolvimento de questões potencialmente relacionadas a tempos imemoriáveis”, declarou.

CONSTANÇA REZENDE E JOÃO GABRIEL / Folhapress

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