SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), proibiu o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) de requisitar prontuários médicos de pacientes que realizaram aborto legal em qualquer estabelecimento hospitalar paulista.
No despacho publicado nesta terça-feira (10), o ministro afirma que a medida foi necessária “diante de notícias reportando novas solicitações do Cremesp por prontuários médicos de pacientes que realizaram aborto legal no HCFMB (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu), vinculado à Unesp (Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho”.
A Folha de S.Paulo revelou que o conselho está realizando uma operação para fiscalizar o aborto legal nos hospitais do estado e solicitando acesso aos prontuários das pacientes que utilizaram o serviço de interrupção da gravidez conforme a lei.
A primeira ação noticiada ocorreu em 12 de novembro, quando o Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), recebeu um médico fiscal para avaliar o serviço. Em uma ação na terça (3), o conselho solicitou os documentos das pacientes que realizaram aborto legal no hospital vinculado à Unesp.
No mesmo dia em que ocorreu a ação no hospital da Unicamp, o ministro mandou intimar o presidente do Cremesp e proibiu o estado e o município de São Paulo de fornecerem dados pessoais constantes de prontuários médicos de aborto legal. Segundo ele, não há justificativa para a requisição desses dados.
O conselho regional foi intimado a informar se as requisições foram mesmo feitas e esclarecer as circunstâncias em que elas ocorreram. Caso se confirmem, o presidente do órgão poderá ser responsabilizado pessoalmente, diz o despacho.
A direção do Hospital das Clínicas de Botucatu e o município também foram intimados para tomar conhecimento da proibição.
A decisão foi tomada na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 1141 do PSOL contra uma resolução do Cremesp que proibiu o uso da técnica de assistolia fetal para interromper gestações acima de 22 semanas em casos de estupro. A técnica é recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para interrupção de gestações avançadas.
Em maio, o relator havia suspendido a resolução em caráter liminar e proibido a abertura de procedimentos administrativos ou disciplinares baseados nela.
Ainda nesta terça, em resposta à intimação do STF, o presidente do Cremesp, Angelo Vattimo, negou qualquer descumprimento às decisões da Casa.
Em ofício encaminhado ao Supremo, ele afirma que, desde a liminar de 24 de maio deste ano, determinou a suspensão da tramitação de todas as sindicâncias e processos ético-profissionais em curso em relação aos procedimentos de aborto legal. Segundo o conselho, também não houve nenhuma instauração de processo administrativo disciplinar.
Quanto à fiscalização realizada no serviço de aborto legal do hospital vinculado à Unicamp, o Cremesp alega que a prática faz parte de suas atribuições legais e rotineiras. Diz que realizou de janeiro a outubro deste ano, 521 fiscalizações proativas e 748 reativas.
“O objetivo de ambas é verificar as condições de funcionamento do estabelecimento de assistência à saúde, o exercício da medicina nos locais a serem vistoriados, a organização das comissões obrigatórias, a organização dos prontuários médicos, as escalas médicas, a equipe médica e sua formação, as prescrições e todos os demais aspectos envolvendo o processo de trabalho.”
Segundo o conselho, “não existe um direcionamento nas instituições a serem fiscalizadas, nem tampouco há que se falar que a requisição dos prontuários no hospital da Unicamp foi feita de forma excepcional”.
O conselho médico também afirma que não descumpriu a determinação de Moraes . “Ao contrário do que consta na referida matéria, não houve qualquer descumprimento por parte do Cremesp de decisão prolatada pelo Poder Judiciário, em especial por este Colendo Supremo Tribunal Federal.” Reportagem da Folha de S.Paulo noticiando a fiscalização do hospital de Botucatu, porém, não traz afirmações do tipo.
Por fim, o Cremesp requereu ao STF a possibilidade da manutenção em requerer os prontuários aos hospitais do Programa Aborto Legal, caso necessário, aumentando o prazo para entrega, com os dados ocultados das pacientes antes da entrega ao Cremesp, “vez que não aceitaremos os prontuários requeridos à Unicamp e Unesp, diante da decisão de Vossa Excelência”.
Em nota à Folha de S.Paulo enviada em 3 de dezembro, o conselho afirma que a operação de fiscalização do programa de aborto legal “visa apurar, de forma integral, a regularidade da execução deste programa, verificando tanto o cumprimento quanto o eventual descumprimento das normas estabelecidas. A análise abrange a estrutura, a documentação e a qualidade das práticas médicas, assegurando que estejam alinhadas aos princípios éticos, legais e técnicos exigidos por lei”.
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress