STF retoma julgamento que pode ampliar modelos de contratação no serviço público

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) prevê retomar nesta quarta-feira (6) o julgamento que analisa o regime jurídico único no serviço público. Até o momento, dois votos foram dados, um favorável e outro contrário à ação, que questiona a possibilidade de contratação por um regime privado na administração pública.

O chamado RJU foi estabelecido pela Constituição de 1988. Dez anos depois, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) fez uma reforma administrativa que o substituiu pelo contrato público de trabalho.

Entre outras medidas, a emenda extinguiu o regime único, modificou as regras de remuneração e estabilidade dos servidores e adotou o controle das despesas e finanças públicas.

Em 2007, a corte concedeu uma liminar restabelecendo o RJU. Desde então, a administração pública voltou a ser obrigada a contratar os servidores por esse regime, mas o Supremo ainda não deu a palavra final sobre o tema.

Os ministros começaram a julgar o caso de forma definitiva em 2020. Na ocasião, apenas a relatora, ministra Cármen Lúcia, votou. Ela defendeu a inconstitucionalidade da alteração que acaba com o chamado RJU.

Depois do voto da relatora, o julgamento foi suspenso e retomado em agosto de 2021, com o voto de Gilmar Mendes. Ele julgou improcedente a ação. Nunes Marques pediu vista e deve ser o primeiro a votar na retomada do caso.

Se a divergência aberta pelo decano da corte for seguida, haverá uma ampliação das formas de contratação para o serviço público.

A redação original diz, no art. 39, que “a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”.

Pela alteração, o texto passou a ser: “A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.”

Em 2000, os partidos PT, PDT, PCdoB e PSB contestaram diversos dispositivos da emenda constitucional 19/1998 no STF. De acordo com as legendas, os ritos legislativos não foram respeitados. Ou seja, houve uma alteração no texto e, assim, ele foi aprovado sem que ambas as Casas o tenham aprovado em dois turnos na íntegra.

Cármen Lúcia considerou que houve violação da regra constitucional que exige aprovação em dois turnos por três quintos dos parlamentares na Câmara e no Senado para alterar a Constituição. Gilmar Mendes entendeu que houve apenas uma mudança de local no texto debatido no Congresso, o que não justificaria nova votação.

Desde a promulgação da reforma do governo FHC, surgiram interpretações diferentes sobre o regime jurídico aplicável ao funcionalismo público. Uma apontava no sentido de que tal alteração teria criado uma permissão expressa para que cada órgão escolhesse o regime que aplicaria.

Outra, de que tal alteração teria criado uma permissão implícita. Por fim, outra interpretação é de que a mudança não teria consequência, pois a administração só poderia fazer algo que a lei determinasse expressamente.

Entidades do funcionalismo público defendem que a rejeição da ação enfraquece o serviço público e o Estado. Os conselhos profissionais também estão atentos ao julgamento. Para esses, desde 2007 há “uma verdadeira insegurança jurídica”, porque não há lei que deixe clara qual é o regime que devem seguir.

Professor efetivo de direito administrativo da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Egon Bockmann Moreira explica que a mudança na estrutura do texto legal tem o poder de provocar uma mudança substancial.

“A proposta tinha uma redação no artigo que estabelecia o regime jurídico único e outra no parágrafo que falava da possibilidade de contratação fora desse modelo, em casos específicos. A inversão transformou exceção em regra e a regra em exceção”, diz.

Os servidores públicos, no geral, são contratados por meio de concurso público de provas e títulos. Ao entrar, depois de três anos, adquirem estabilidade. Esses são os estatutários. Aqueles não submetidos a esse regime são funcionários contratados no sistema da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Ao contrário do primeiro, por exemplo, o funcionário pode ser demitido. O servidor tem estabilidade e só é desligado se passar por um processo administrativo depois de uma falha funcional grave.

“O regime mais flexível é mais fácil para o gestor público, se ele for sério —porque pode haver facilidade também ao clientelismo”, diz Bockmann Moreira.

Para o professor, portanto, não houve mero ajuste redacional. “O texto não foi votado completamente. Se isso é aceito pelo STF, há um risco de que o fenômeno volte a acontecer no Congresso e isso é bastante sério por ampliar as competências de cada Casa”, afirma.

Para a professora de direito administrativo na FGV Direito SP Vera Monteiro, é provável que os ministros se dediquem apenas ao debate sobre a forma como a emenda foi aprovada pelo Legislativo, sem entrar na discussão sobre a validade do regime único em si.

Monteiro diz que boa parte do serviço público funciona sob o RJU, mas existem outros vínculos vigentes, como a CLT. “Além disso, há um volume gigantesco de contratação temporária na administração direta autárquica e fundacional”, diz.

Isso, de acordo com ela, é importante por dar flexibilidade aos gestores para suprir quadros de professores, por exemplo, ou para parcerias com o terceiro setor para serviços específicos.

“O entendimento de que o regime único é exclusivo é uma leitura muito seca da Constituição. A realidade é que a administração hoje convive com uma pluralidade de vínculos que a própria jurisprudência do Supremo tem validado. Até porque é impossível colocar toda a força de trabalho no regime de cargos. Não há Orçamento que dê conta disso”, afirma.

Assim, segundo ela, caso o STF afirme que apenas o RJU é constitucional, terá de enfrentar o contexto atual da administração, para não deixar todas as esferas em alerta sobre a prática já aplicada atualmente.

Do contrário, se a corte derrubar o RJU e retomar o texto da reforma do governo FHC, carreiras que não têm equivalência no mercado privado precisariam do modelo de concurso público, como a magistratura ou a diplomacia.

ANA POMPEU / Folhapress

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