PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Nesta terça (5), às 13h, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) pode escrever mais um capítulo na longa e tortuosa história da tragédia da boate Kiss, em Santa Maria (RS).
O tribunal deverá decidir se reverte ou não a anulação do júri que condenou quatro pessoas pelo incêndio que matou 242 pessoas e feriu mais de 600 em 27 de janeiro de 2013. A idade média das vítimas era de 23 anos.
O julgamento do recurso do Ministério Público gaúcho ao STJ começou em 13 de junho e foi interrompido por um pedido de vista do ministro Antonio Saldanha Palheiro.
A tragédia completou dez anos sem que houvesse nenhuma pessoa responsabilizada pela Justiça dado que, em agosto de 2022, por 2 votos a 1, os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça gaúcho anularam o júri dos quatro réus e, consequentemente, suas condenações.
Desde então, os donos da boate Elissandro Callegaro Spohr (o Kiko) e Mauro Londero Hoffmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o auxiliar de palco Luciano Bonilha Leão, que haviam sido condenados a penas entre 18 e 22 anos, estão em liberdade.
Após tanto tempo de espera e de decepções, os familiares das vítimas não arriscam se a decisão do STJ, ainda que reverta a anulação, colocará um ponto final na luta por Justiça. O clima, todavia, é de otimismo em razão do primeiro voto, do ministro relator Rogério Schietti Cruz, que foi contrário à anulação.
Conforme o entendimento de Cruz, o júri foi invalidado com base em falhas técnicas que foram contestadas fora do momento adequado e sem que fossem especificados os prejuízos causados às defesas dos réus. Ao não contestar as falhas no momento do julgamento, as defesas teriam perdido o direito de fazê-las posteriormente por “preclusão temporal”, segundo o ministro.
Paulo Tadeu Nunes de Carvalho, pai de Rafael Carvalho, 32, uma das vítimas da Kiss, classificou o voto de Cruz “irretocável”. Ele e outros oito membros da associação de familiares e vítimas estarão acompanhando a sessão desta terça em Brasília.
“O voto do relator foi muito contundente quanto aos pedidos de anulação serem relativos [previstos na lei] e não terem prejudicado o resultado do julgamento. Estou otimista quanto a decisão final ser favorável a reverter a anulação. Precisa ter mais dois votos”, diz Carvalho.
Na sessão desta terça, é improvável que ocorra novo pedido de vista entre os cinco ministros que compõem a 6ª turma do STJ. Na sessão de 13 de junho, o ministro Sebastião Reis comunicou que também tinha a intenção de pedir vista do processo, mas que aproveitaria o pedido de Palheiro para também revisar o caso.
Portanto, caso a anulação seja revertida, o processo deve retornar à 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS para que, afastadas as nulidades, a corte analise as outras questões levantadas nas apelações das defesas, como possíveis pedidos de redução de pena. Por causa da anulação do júri, o tribunal havia considerado prejudicados os demais pontos em discussão.
Caso a anulação não seja revertida, um novo júri terá de ser realizado.
“Se a votação restante do STJ aceitar a anulação do júri serão mais uns quatro anos [até novo julgamento]. Muito diferente no tempo e nas decisões de países que tiveram tragédias similares. Não é mais possível tanta dor. Está sendo uma tortura que parece não ter fim”, diz Carvalho.
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VAIVÉM NO PROCESSO DA KISS
Júri – 1º/12/2021
Depois de oito anos e dez meses, começa o júri popular de quatro acusados pelo incêndio na boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013. Um dos motivos da demora foi o desaforamento do caso de Santa Maria (RS) para Porto Alegre, pedido por 3 dos 4 réus
Condenação – 10/12/2021
Jurados condenam sócios da boate Elissandro Callegaro Spohr (22 anos e 6 meses de prisão) e Mauro Londero Hoffmann (19 anos e 6 meses), o músico Marcelo de Jesus dos Santos (18 anos) e o auxiliar de palco Luciano Bonilha Leão (18 anos). O juiz estabeleceu o regime fechado para todos os réus
Anulação – 3/8/2022
No julgamento dos recursos da defesa dos réus à 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS, por 2 votos a 1, os desembargadores anulam o júri. Entre os principais motivos estavam a realização do sorteio de jurados fora do prazo previsto pelo Código de Processo Penal e uma reunião reservada entre o juiz e os jurados sem a participação das defesas ou do Ministério Público. Diante da decisão, os réus são libertados
Análise de recurso – 13/6/2023
O STJ analisa recurso do Ministério Público contrário à anulação. No primeiro dos 5 votos da corte, o relator é favorável ao recurso que reverteria à anulação. No entendimento do ministro relator Rogério Schietti Cruz, as falhas no julgamento ou não foram relevantes para o resultado ou não foram apontadas no momento correto. Segundo ministro a votar, Antonio Saldanha Palheiro pede vistas do processo.
CAUE FONSECA / Folhapress