BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Ascema Nacional (associação dos servidores ambientais) se pronunciou sobre a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que determinou que os servidores ambientais que estão em greve voltem 100% ao trabalho em algumas áreas, como o licenciamento, sob pena de multa de R$ 200 mil por dia –quatro vezes o valor que a ação pedia originalmente.
A entidade disse que vai obedecer à ordem, porém a classificou como um “golpe, um vilipêndio aos direitos de classe, ou uma usurpação ao direito à greve” e “um assalto sem precedentes às liberdades individuais e coletivas de todas as categorias”.
“Os servidores podem ser impedidos de exercer o direito de greve e as entidades podem ser impossibilitadas de conduzir seus processos de luta devido à incapacidade financeira de suportar multas astronômicas, arbitrariamente definidas por autoridades preocupadas apenas com resultados imediatos”, diz a entidade.
A decisão foi publicada nesta quinta-feira (4), pelo ministro Og Fernandes -que não é o relator da ação, mas atuou por ser o presidente em exercício da corte na data.
A Ascema afirma que entrou com recurso contra a decisão.
Os servidores pedem a reestruturação da carreira e reajuste salarial. A mobilização escalou após o governo Lula (PT) não atender às demandas da categoria, e indicar o fim da mesa de negociação que havia sido aberta.
Os trabalhadores então entraram em greve, e a AGU (Advocacia Geral da União), que representa o governo federal, levou o caso ao STJ.
A AGU atua em nome do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
O órgão alega que a greve é ilegal e abusiva, por não cumprir os requisitos ou extrapolar os limites previstos na legislação. A AGU pedia também a aplicação de uma multa diária de R$ 50 mil. Em sua decisão, no entanto, o Fernandes quadruplicou este valor, e o estipulou em R$ 200 mil.
O ministro preferiu não emitir juízo sobre a legalidade, ou não, da greve, e disse que este papel cabe ao relator do caso, Paulo Sérgio Domingues. Mas deferiu o pedido de urgência pleiteado pela AGU para que os serviços considerados essenciais fossem retomados em 100% -ponto que também é questionado pela Ascema.
A greve começou no final de junho, e cresceu em adesão desde então, chegando a mais de 20 estados. A mobilização escalou após o governo não atender às demandas de reestruturação e valorização da carreira feitas pelos trabalhadores, e indicar o fim da mesa de negociação.
A categoria elencou seis áreas como serviços essenciais e decidiu manter estes setores funcionando, mas sob um regime especial.
Por essa regra, as ações de combate a incêndio seguiriam 100%, em razão do recorde de fogo no pantanal, e também seriam mantidas operações de caráter imediato em desastres, como no Rio Grande do Sul.
Os setores de cuidado da fauna e da flora manteriam o cuidado a animais resgatados, e o de unidades de conservação se manteria em ação contra para demandas que pudessem colocar em risco imediato as comunidades tradicionais, a biodiversidade e os recursos naturais.
Já a fiscalização deveria atuar em casos emergenciais ou de risco à vida, e o licenciamento, com 10% de sua capacidade e para urgências. Estes dois pontos foram o principal foco dos questionamentos da AGU.
A Advocacia alegou que a paralisação do licenciamento poderia comprometer empreendimentos e investimentos, e a da fiscalização poderia causar danos irreparáveis às unidades de conservação.
Na decisão, o ministro determina a retomada com 100% da capacidade das atividades de licenciamento, gestão das unidades de conservação, resgate e reabilitação da fauna, controle e prevenção de incêndios e emergências ambientais -sem citar a fiscalização.
“O movimento grevista está sendo realizado por servidores públicos que atuam em uma das atividades mais sensíveis para a humanidade que é a promoção e defesa do meio ambiente”, diz Fernandes. Por isso, a mobilização deve obedecer “critérios mais rígidos para o legítimo exercício do direito de greve”.
A Ascema questiona a necessidade da manutenção de 100% da força de trabalho destes setores. Segundo a entidade, a argumentação da AGU contém “explicações absolutamente mentirosas sobre o que seria atividade essencial”.
“Apenas para citar alguns exemplos, turismo em UCs [unidades de conservação] não é uma atividade essencial, assim como o licenciamento de empreendimentos agropecuários”, diz a Ascema.
Finalmente, a entidade critica os presidentes do Ibama e do ICMBio, uma vez que as entidades são representadas pela AGU -nenhum dos dois, porém, assina o pedido de suspensão feito pela advocacia.
A Ascema cobra que os chefes das entidades ambientais prestem explicações sobre a argumentação da AGU quanto ao que foi considerado como atividade essencial.
NEGOCIAÇÃO ARRASTADA
A demanda pela valorização dos profissionais de Ministério do Meio Ambiente, Ibama, Serviço Florestal e ICMBio vem desde o final de 2022, na transição para o terceiro govern o de Lula.
O argumento dos servidores é de que a carreira foi sucateada e assediada durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e, mesmo assim, resistiu ao desmonte da política ambiental, fato que deveria ser valorizado pelo petista.
O descontentamento com a atual gestão aumentou após o governo Lula promover reajustes, por exemplo, para a PRF (Polícia Rodoviária Federal), categoria identificada com o bolsonarismo.
Uma mesa de negociação foi instalada em 2023, mas empacou no final do ano.
Desde janeiro de 2024, servidores ambientais iniciaram uma paralisação gradual, que até aqui resultou na redução no número de autos de infração e multas aplicadas, além do impacto negativo sobre as análises de licenciamento ambiental.
Durante as negociações, a Ascema viu alguns avanços, como a melhoria na proporção entre remuneração fixa e remuneração variável (que ainda está aquém do que era demandado) e aceitou o escalonamento da carreira em 20 níveis.
Por outro lado, avaliou que a última proposta do governo não atendia a nenhuma das suas principais reivindicações, como o espelhamento da carreira com a da ANA (Agência Nacional de Águas) e a redução da disparidade salarial entre cargos ou benefícios por atuação de risco.
Os servidores fizeram uma contraproposta, mas, no último dia 7, o Ministério da Gestão afirmou à categoria que havia chegado ao “limite máximo, do ponto de vista orçamentário, do que é possível oferecer” e indicou o fim da mesa de negociação.
JOÃO GABRIEL / Folhapress