BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O STM (Superior Tribunal Militar), órgão máximo da Justiça Militar, julga menos de 1.000 processos por ano e tem o maior custo mensal por ministro, com salários e benefícios que beiram R$ 78 mil.
Os resultados da corte são apresentados por críticos à Justiça Militar como argumento para defender a extinção do tribunal discussão que se arrasta por mais de duas décadas e foi retomada após os ataques às sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
Do outro lado, integrantes e apoiadores do STM sempre reforçam o discurso de que só um órgão especializado tem a capacidade de analisar na Justiça casos relacionados aos valores da caserna e das instituições militares com a celeridade necessária para evitar danos às Forças Armadas.]
Também pleiteiam maior influência no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que não tem em seus quadros um integrante da Justiça Militar.
O tribunal finalizou 842 processos em 2023. As outras cortes superiores, em comparação, tiveram produtividade maior, como o Superior Tribunal de Justiça (412.570 processos baixados), Tribunal Superior do Trabalho (353.877) e o Tribunal Superior Eleitoral (11.843).
Os dados coletados pelo CNJ e divulgados no último boletim “Justiça em Números” dão a dimensão de cada uma das cortes superiores. Enquanto no STM cada ministro julgou, em média, 51 processos em 2023, cada magistrado do STJ analisou mais de 12 mil casos no mesmo ano.
As diferenças seguem grandes quando analisada a quantidade de processos concluídos nos tribunais e o número de servidores da área judicial. A proporção no STM é de 3 processos por servidor, número menor que o verificado no STJ (231), TST (229) e TSE (27).
O STM é ainda a corte superior que mais gasta com salário e benefícios por ministro. O gasto mensal com cada um dos 15 juízes do tribunal militar é de R$ 77.964.
O valor é menor no TST (27 ministros, R$ 77.434), no STJ (33 ministros, R$ 55.424) e no TSE (14 ministros, R$ 17.116).
“É uma instituição muito pesada em termos de organização e funcionamento. E é uma sinecura, porque o tribunal acaba julgando, em boa parte dos casos, uso de entorpecentes em ambiente militar basicamente maconha”, destaca Maria Celina DAraujo, pesquisadora visitante da PUC-Rio, que se dedica ao estudo da área militar.
“A Justiça Militar tem uma estrutura muito grande para julgar poucos casos. Para se fazer justiça militar não precisa de um tribunal permanente, especializado, ainda mais em tempos de paz. Os casos no Brasil podem ser perfeitamente julgados em varas da Justiça comum”, completa.
No último ano, os três crimes mais julgados pelo Superior Tribunal Militar foram estelionato (134 casos), posse ou uso de entorpecente (112) e deserção (92).
A maioria dos processos que chegaram ao STM (447) foram recursos de instâncias inferiores. Em dezembro, por exemplo, o colegiado decidiu manter a condenação de 21 militares e civis envolvidos em esquema de fraudes em licitações de alimentos em Manaus.
O criminalista Fernando Augusto Fernandes, criador de site sobre julgamentos políticos no STM durante a ditadura militar, defende que a Justiça Militar seja extinta em tempos de paz, por ser “uma estrutura sem sentido na democracia”.
“Matérias militares podem ser resolvidas internamente e, se judicializadas, a prestação jurisdicional pode ser da Justiça comum, mesmo que tenham varas especializadas.”
Em outros casos, os ministros do Superior Tribunal Militar são criticados por atuarem com corporativismo ao reduzir penas de oficiais ou militares envolvidos em mortes de civis.
É o cenário que envolve o julgamento do caso Evaldo Rosa, músico assassinado por militares do Exército durante ação que envolveu o disparo de 257 tiros em 2019.
Na primeira parte do julgamento, o ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira apresentou relatório favorável à redução de até 28 anos da pena dos oito militares envolvidos na morte do músico e também do catador Luciano Macedo.
Ele foi acompanhado pelo ministro-revisor José Coêlho Ferreira, e o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista (mais tempo para análise) da ministra Maria Elizabeth. Não há previsão de retorno do julgamento.
O STM é formado por 15 ministros, sendo dez militares e cinco civis. Os cargos são ocupados a partir de indicação do presidente da República e aprovação do Senado.
A ministra Maria Elizabeth, única mulher no plenário do STM, afirma que o tribunal julga poucos processos em comparação com as demais cortes superior porque só analisa casos criminais. Além disso, há regulamentos dentro das Forças Armadas que já estipulam punições para militares, o que reduz o volume.
Ela entende que não há corporativismo na Justiça Militar. “É uma Justiça que pune bastante, não admite acordos de não persecução penal, não tem nenhuma das benesses concedidas aos réus na Justiça comum”, disse a ministra à Folha.
Elizabeth afirma que o STM se debruça sobre muitos casos de uso de drogas por militares e que, em regra, a Justiça Militar “é muito dura” nesses processos. Quando trata sobre crimes cometidos por militares contra civis, como assassinatos durante operações militares, a situação já é diferente.
“Entendo as críticas [ao STM] e acho, inclusive, que os crimes dolosos contra a vida deveriam ser julgados por um tribunal do júri mas nós nunca instituímos um júri sequer”, completa.
A ministra diz que a Justiça Militar “foi criada pela Constituição e respeita todo o devido processo legal”. “A sociedade civil ainda é muito marcada pela ditadura de 1964. Enquanto as feridas estiverem abertas, a Justiça Militar vai ter de suportar esse ônus, que é uma grande injustiça”, diz a ministra.
Ex-presidentes do STM também já se manifestaram, em debates anteriores, contra propostas de extinção. O general Edson Alves Mey disse, em 1999, que o baixo número de processos julgados no tribunal pode ser resultado da eficiência da própria corte.
“Não é pelo fato de existirem poucos pacientes que deve-se suspeitar que um hospital está deficiente; é bem possível que ocorra o contrário: por ele ser eficiente, existem poucos usuários”, disse.
Em 2013, o então presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa defendeu abertamente a extinção da Justiça Militar. Em resposta, o então presidente do STM, general Raymundo Nonato de Cerqueira, disse que a prerrogativa é do Congresso e que, nem em 1988, “em um clima de revanchismo, isso foi discutido”.
Dois anos depois, outro presidente do STM, José Coêlho Ferreira, reforçou que só a Justiça Militar poderia atuar “com a velocidade necessária para evitar danos irreparáveis à hierarquia e à disciplina”.
CÉZAR FEITOZA E JOSÉ MARQUES / Folhapress