SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O executivo Mauricio Bähr, CEO do grupo Engie no Brasil, afirma que o modelo de subsídios para energias renováveis no Brasil se esgotou. Agora, funciona como um “Robin Wood às avessas”, transferindo renda dos mais pobres para os ricos. Bähr acompanhou com preocupação o anúncio da medida provisória que prometia reduzir a conta de luz. Assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ela faz o inverso, prorrogando esses benefícios.
“Não é o governo que arca com isso, são os consumidores de baixa renda que acabam pagando esses custos”, afirma.
Há 30 anos na área de energia, ele acompanha a evolução do setor, e é com base nessa experiência que defende um freio de arrumação regulatório.
“Não adiantam medidas localizadas. É preciso um diálogo na busca de soluções para o conjunto dos problemas, o que inclui a revisão de todo o modelo setorial.” Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha de S.Paulo.
PERGUNTA – O sr. tem criticado subsídios a energia renováveis. Por quê?
MAURICIO BÄHR – São desnecessários. Vou dar uma informação para resgatar. Quando se adotou subsídio para energia eólica no Brasil, com o Proinfa [Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica], a gente gerava energia renovável a R$ 400 e poucos por MWh [megawatt-hora]. Hoje, você consegue gerar energia eólica a R$ 220.
Hoje, o subsídio é um ônus na tarifa de energia elétrica justamente para os menos abastados.
O subsídio para geração distribuída [em sua maioria fotovoltaica], por exemplo, isenta o consumidor que tem capacidade financeira para instalar o painel solar. No fundo, ele deixa de pagar alguns custos das distribuidoras, mas esses custos não deixam de existir. A distribuidora precisa continuar investindo na rede, e aquele custo é compartilhado. Os coitados dos consumidores que não têm dinheiro para ter painel solar em casa pagam mais caro por isso.
É um Robin Hood às avessas, pois não é o governo que arca com isso, são os consumidores de baixa renda.
P. – O governo fala em redução da conta de luz, mas assinou uma MP [medida provisória] prorrogando subsídios a renováveis. Como o sr. viu isso?
MB – Em seu discurso, o ministro [Alexandre Silveira, de Minas e Energia] disse que estavam fazendo uma adequação do prazo para possibilitar a conexão dos projetos às linhas de transmissão. Mas isso leva à prorrogação dos subsídios -e nem podemos mais chamar de subsídio, é transferência de renda, porque é o consumidor que paga essa conta.
Vemos com muita preocupação a extensão desse desequilíbrio. O alento foi a reunião com os especialistas do setor, que contou com a participação do presidente Lula.
Não adiantam medidas localizadas. É preciso um diálogo na busca de soluções para o conjunto dos problemas, o que inclui a revisão de todo o modelo setorial.
Nos temos quase 25 GW [gigawatts] de capacidade instalada de energia solar distribuída, que foi construída nos últimos anos. Estamos com sobre oferta de energia, fazendo com que haja até um sinal invertido para o investimento. O preço da energia no mercado está abaixo do preço para se instalar um nova usina, seja eólica, solar, gás. Ou seja, não há incentivo [econômico] para nenhuma instalação de porte.
Estamos caminhando para aquela situação em que, no cenário de crescimento estável, a sobre oferta será consumida, mas vamos correr risco de desabastecimento.
P. – Muitos especialistas chamam esse momento disfuncional do mercado de espiral da morte. Então, é hora de suspender os subsídios?
MB – Remédio em dose exagerada vira veneno. Quando a gente começa a dar subsídio, a gente precisa saber que em determinado momento ele será reduzido, e prever uma transição para acabar.
É hora de estancar essa ferida fazendo a transição. Quem já teve o subsídio, ok. Você não muda os contratos. É ruim alterar regra com efeito retroativo. Mas não pode incentivar novos. Está na hora de acabar com os subsídios.
A gente precisa também pensar em como usar essa sobre oferta de energia que o Brasil tem hoje. Assim como o país se tornou celeiro na produção de comida e proteína no mundo, também é celeiro de energia verde, renovável.
É necessário definir com o Brasil vai elevar o consumo de energia, com geração de empregos, através da atração de indústrias que queiram descarbonizar as suas atividades, e que hoje operam em países onde não há esse tipo de matriz energética que o Brasil oferece.
Se a gente pudesse criar programas para atração de indústrias, com selo de energia verde, estaríamos desenvolvendo o país e aceitando outras oportunidades. O Nordeste é abundante em energia solar e eólica. É o local atrativo para esses investimentos. Você melhoraria o índice de desenvolvimento e usaria de forma mais eficiente a energia abundante e limpa.
Outra coisa é a conexão com a América Latina, que não conseguiu lograr êxito até hoje. Com interconexões energéticas entre os países, o Brasil poderia ser protagonista na descarbonização da região.
A gente não precisa de uma crise aqui para ver a importância disso. Pode olhar para o que aconteceu na Europa recentemente, na guerra entre Rússia e Ucrânia.
Houve a necessidade de reformatar todo o fluxo de gás e eletricidade. A Europa só conseguiu sobreviver a essa crise de maneira razoável porque existem interconexões entre os países, seja por linhas de transmissão ou gasodutos. O preço subiu, mas não houve falta de energia ou racionamento.
P. – Qual a sua opinião sobre a gestão do sistema neste momento em que temos grande oferta de eólicas, solares e hidrelétricas, com essa sobra de energia?
MB – A gente não para o vento e sol. Quem sofre é a hidrelétrica, pois é ela que precisa se ajustar. Temos o risco de verter água [jogar para fora da barragem, que serve como bateria natural].
O que falta é uma atualização do nosso desenho de regulamentação. Quando toda a legislação que hoje está em vigor foi criada, Brasil tinha um sistema hidrotérmico, com hidrelétricas e térmicas. Ou seja, estava sob o comando do homem. Não se controla sol e vento, então, é preciso deslocar a geração das hidrelétricas, com efeitos sobre esse segmento.
P. – Nesse momento de transição energética, é preciso reduzir emissões, o que demanda custos e mudanças. Do que uma empresa precisa abrir mão para se tornar net zero?
MB – É uma excelente abordagem. Mas a gente tem exemplos de coisas a se fazer que, além de reduzir a pegada de carbono, pode ser mais barato. Vou dar um exemplo simples.
Normalmente, quando os aviões param para fazer entrada e saída de passageiros e o abastecimento, os fingers [passarela que liga o prédio do aeroporto ao avião para trânsito dos passageiros] ficam conectados a um gerador a diesel. Ou o avião mantém a terceira turbina, a de geração de energia elétrica e ar condicionado, ligada lá atrás. Em cada aeroporto aqui do Brasil é assim que funciona.
A gente está desenvolvendo uma solução em que, nessa parada, se coloca uma mangueira por baixo do avião que insufla o ar gelado. O sistema é conectamos a uma tomada com energia elétrica proveniente de fontes renováveis.
Nesta situação, a companhia aérea, além de não gastar com o combustível do gerador ou do avião, usa uma energia limpa -está descarbonizando, e com economia. Então, está sendo mais eficiente e ambientalmente mais responsável sem abrir mão de nada.
Mas, na maioria dos casos, não é assim.
Tem, sim, diversos casos que requerem um investimento inicial para, por exemplo, mudar uma fonte de combustível. Mas tudo acaba sendo viável quando a gente faz a análise do período do investimento no longo prazo.
Existem oportunidades de descarbonização mesmo usando o gás [fóssil]. Nos estados do Amazonas, onde ainda há muita geração por óleo, a substituição por gás reduz emissões, beneficia o planeta, a um custo menor. Estamos numa transição. A gente precisa fomentar diferentes iniciativas.
No caso do gás fóssil existe uma discussão no Brasil sobre como usá-lo. Há divergências, por exemplo, para o uso na geração de energia elétrica. Qual a sua avaliação.
Essa é uma boa questão. O seu uso para a geração elétrica foi importante, funcionando como uma âncora para o início da exploração de gás no Brasil. Agora, a gente pode evoluir e adotar usos mais nobres para o gás, como produção de fertilizantes e mudança nos processos em que ainda se utiliza o carvão. O contexto mudou.
RAIO-X | Mauricio Bähr, 66
É formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Gama Filho (RJ) e em Análise de Sistemas pela PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Tem Master em administração pelo Coppead, a escola de negócios da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e em Finanças Corporativas pela Berkeley University (EUA). Participou do Programa de Senior Management pela Harvard Business School (de 2019 a 2022) e possui certificação de Conselheiro de Administração pelo IBGC, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (2024). Foi por dez anos anos presidente do conselho de administração do ONS (Operador Nacional do Sistema). Desde 2017, faz parte do Conselho como representante das empresas de geração. No grupo Engie há 27 anos, acumula as funções de vice-presidente e diretor de Renováveis para a América Latina. Também preside o conselho de administração de diversas empresas do grupo: Engie Brasil Energia, TAG e Jirau, responsável pela hidrelétrica de mesmo nome
ENGIE BRASIL
Faturamento R$ 11,7 bilhões em 2023
Colaboradores 2.600 diretos e indiretos
O grupo tem sob sua gestão no país 10 GW de energia de fontes renováveis, 6% da capacidade nacional, provenientes de 82 usinas. Os investimentos em curso em projeto de energia limpa, essencialmente solar e eólica, somam R$ 20 bilhões no país. Com o TAG, faz a gestão de 4.500 km de gasodutos, que atravessam 10 estados e 191 municípios. Os investimentos em novos projetos nessa área totalizam R$ 3 bilhões. Também possui 3.806 km de linhas de transmissão, e tem participado dos leilões de expansão desse segmento.
ALEXA SALOMÃO / Folhapress