SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em um dos mais simbólicos gestos da recente onda de solidariedade europeia ante os avanços russos na Ucrânia, o governo da Suécia abriu mão de seus dois aviões-radar para reforçar a defesa aérea do país invadido em 2022.
O anúncio foi feito nesta quarta (29) em Estocolmo pelo ministro Pal Jonsson (Defesa), que na véspera havia descartado o envio de caças suecos Saab Gripen para a Ucrânia, em favor de uma padronização de doações de modelos americanos F-16.
“A avaliação geral é de que a doação do avião-radar de reconhecimento e comando ASCC-90 será a mais impactante para a Força Aérea da Ucrânia agora. Ela vai complementar os sistemas F-16”, afirmou Jonsson.
Ele afirmou que a “doação vai resultar em um declínio temporário na capacidade de defesa sueca”. “Esses são os dois aviões [do tipo] que temos na Suécia. Nós assumimos um risco deliberado e calculado”, disse o primeiro-ministro Ulf Kristersson.
“Eu acho que é uma contribuição robusta incrível”, afirmou o premiê. Ele está certo, embora provavelmente o trabalho dos aviões-radar será suplementado no curto prazo por aviões da Otan, a aliança militar do Ocidente integrada em fevereiro deste ano por Estocolmo.
Os suecos já usam o padrão operacional de comunicação da Otan, o chamado Link 16, em seus 96 caças Gripen C/D e nos 3 modelos E/F de nova geração, iguais aos comprados pelo Brasil, que estão em testes no país nórdico. Além disso, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres), ainda há um terceiro avião, de modelo mais antigo, operacional, ainda que Jonsson não o tenha citado.
De todo modo, não é só a Suécia que perde capacidades imediatas. As aeronáuticas dos quatro países nórdicos (Suécia, Dinamarca, Finlândia e Noruega) estão em processo de integração operacional, e os parceiros de Estocolmo não tinham o modelo para a missão do avião-radar que será doado.
Na Força Aérea Sueca, o avião é conhecido como S-100D. Ele é uma versão do bimotor comercial Saab-340 equipado com o mesmo radar de escaneamento ativo usado pela Força Aérea Brasileira no avião Embraer E-99.
Na Ucrânia, ele permitirá o rastreio de alvos aéreos, terrestres e marítimos, permitindo a comunicação com bases no solo e aviões de caça. Parece improvável que consigam ser integrados à frota existente do país invadido, de aeronaves soviéticas como o MiG-29 e o Su-27.
Assim, é uma arma para proteção futura, isso quando houver um contingente de F-16 à disposição de Kiev. Dinamarca, Bélgica e Holanda prometem entregar os primeiros caças, que estão desativando de suas frotas em favor do também americano F-35, no segundo semestre –o impacto potencial é incerto.
Daí o simbolismo do movimento, já que na prática a situação continuará complexa nos céus ucranianos. Tanto é assim que o presidente Volodimir Zelenski pede diariamente o reforço em suas defesas antiaéreas, que têm sido incapazes de segurar os ataques russos.
Ele tem insistido em que os países da Europa central e do leste aceitem fazer uma zona de exclusão aérea com baterias antimísseis ao menos na porção ocidental da Ucrânia. O tema vem sendo discutido, mas por ora esbarra na percepção da Otan de que isso implicaria entrar na guerra sem subterfúgios, como no debate sobre o eventual envio de tropas.
O tema opõe países menores, como os nórdicos e os do leste europeu, aos EUA, líderes da aliança, e à Alemanha. A França, outra potência militar significativa, diz que vai enviar instrutores militares para “visitar” centros de treinamento ucranianos, e só isso já fez o Kremlin ameaçar uma guerra nuclear.
Segundo disse na terça (28) o presidente Vladimir Putin, se isso ocorrer haverá “um passo significativo para um conflito global”. Ele fez a mesma ameaça com a crescente autorização dada por países da Otan, de forma individual, para que suas armas possam atingir não só as áreas ocupadas da Ucrânia, mas a Rússia em si.
O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou na terça que isso poderia ser feito contra locais de “lançamento de mísseis”, por exemplo. Já o Reino Unido liberou geral, enquanto os EUA disseram timidamente que a decisão era de Kiev, pressionando contra isso na prática.
Em solo, os ataques de lado a lado seguiram nesta quarta. Há um relato não confirmado de que a Ucrânia atingiu uma importante unidade de radar de longa distância no leste da Ucrânia com mísseis americanos do sistema ATACMS.
Isso poderia ajudar a degradar as operações antimísseis dos russos. Kiev já atacou duas estações grandes no interior da Rússia, usadas na rede de defesa contra ataques nucleares por Moscou, com drones domésticos recentemente. Os ucranianos alegam que as instalações podem ajudar a identificar lançamentos feitos pelo ATCMS dentro de seu país.
Por fim, as Forças Armadas de Zelenski disseram ter estabilizado a situação no norte do país, embora de forma precária e às expensas de reservas que foram retiradas de outras partes da frente de batalha. A Rússia iniciou uma nova ofensiva na região de Kharkiv no dia 10 passado, ganhando bastante terreno, e o enfraquecimento de outras posições permitiu avanços no leste e no sul do país.
IGOR GIELOW / Folhapress