SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Sul do Brasil registra 2,2% dos quilombolas que existem no Brasil. Segundo dados do Censo 2022, divulgado nesta quinta-feira (2022), a região registra ao todo 29.056 pessoas deste grupo social.
O número aponta que esta parte do país é a que menos abriga quilombolas. Entretanto, o dado contradiz um imaginário que associa a região apenas a pessoas brancas.
O levantamento mostra que a maior parte dos quilombolas reside no Nordeste. São 905,4 mil na região. O número corresponde a 68,2% da população total que pertence ao grupo no Brasil. O Sudeste tem 13,7% (182.305), o Norte, 12,5% (166.069) e o Centro-Oeste, 3,4% (44.957).
Para comparação, o Sudeste reúne 41,8% do total da população brasileira, segundo o Censo. Ele é seguido por Nordeste (26,9%), Sul (14,7%), Norte (8,5%) e Centro-Oeste (8%).
Apesar de ter ao menos 319 comunidades remanescentes de quilombos, a região Sul é raramente vista como um território de resistência negra.
Segundo Fernanda Oliveira, historiadora e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a exclusão dos negros desse imaginário surge, principalmente, devido à maneira com a qual a identidade regional da área foi erguida.
“A partir dos anos 1840, existe uma imigração alemã e italiana muito acentuada no Sul. O auge disso acontece entre o fim do século 19 e começo do 20, com políticas de incentivo à imigração”, diz.
“Vai se gestando, então, um ideário para pensar na diferença desta parte do Brasil em relação às outras.” E, aos olhos da elite intelectual da época, afirma a professora, tanto a população imigrante quanto a atuação do regime escravocrata local se distanciavam do restante do país.
Não que o Sul abdicasse da escravidão. Pelo contrário. As charqueadas, por exemplo, eram um pilar relevante no mercado interno e contavam com mão de obra escravizada. É fora de lá, porém, que o regime ganha destaque no país.
“O Nordeste que a gente conhece hoje era o lugar brasileiro que mais tinha escravizado, por causa da indústria açucareira. Daí se cria a ideia de que a escravidão do Sul não contribuía economicamente de forma massiva como a de lá”, diz Fernanda Oliveira.
Segundo a professora, isso teria feito a historiografia do período distorcer a realidade, a partir da ideia de que o sistema escravocrata sulista teria tido baixo impacto social e havia sido brando com seus escravizados.
Ao lado do Rio Grande do Sul, Santa Catarina lidera a lista dos estados proporcionalmente mais brancos do país, com 78% de sua população autodeclarada branca, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em seguida, com 64%, está o Paraná.
É só a partir do fim dos anos de 1980 que estudos passam a olhar para o tema com profundidade, investigando a relação entre o sul brasileiro e a escravidão.
Coordenadora do comitê Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia, Raquel Mombelli afirma que existe uma ausência de políticas voltadas às comunidades da região.
Segundo ela, o apagamento desses territórios faz as instituições locais ignorarem a urgência das demandas quilombolas.
É como uma bola de neve. Tratados como invisíveis, os sulistas reivindicam questões como titulação de terras direito garantido pela Constituição, mas não são vistos como prioridade, afirma.
A historiadora Fernanda Oliveira lembra que o Sul foi a zona brasileira onde mais germinaram clubes negros no século 19. Com exaltação a culturas negras, os espaços reuniam escravizados e ex-escravizados, que, juntos, desfrutavam de uma atmosfera livre.
“Toda essa população precisou interpor possibilidades de resistência num território que ainda hoje insiste em negar a sua presença.”
Vale lembrar que o nascimento do 20 de Novembro enquanto data da Consciência Negra vem do Grupo Palmares, de Porto Alegre. A data, em homenagem a Zumbi dos Palmares, contesta a celebração do 13 de Maio, que faz referência à lei Áurea, assinada sem aplicar nenhuma política de equidade ou de assistência aos negros.
TAYGUARA RIBEIRO / Folhapress