BRASÍLIA, DF E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A balança comercial brasileira encerrou 2024 com superávit de US$ 74,6 bilhões, um recuo de 24,6% em relação ao saldo do ano anterior, quando foi registrado o recorde de US$ 98,8 bilhões. Esse é o segundo maior valor da série histórica, iniciada em 1989.
Em 2024, o país registrou US$ 337 bilhões em exportações -recuo de 0,8% em relação ao ano anterior- e US$ 262,5 bilhões em importações -crescimento de 9% no mesmo período.
O resultado foi informado nesta segunda-feira (6) pela Secex (Secretaria de Comércio Exterior), ligada ao Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).
De acordo com a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres, o recuo no valor exportado reflete a queda de preços internacionais de produtos relevantes para a pauta exportadora brasileira, como soja, petróleo e minério de ferro.
Quanto às importações, ela ressaltou o desempenho das compras de bens de capital, como máquinas e equipamentos. Em 2024, na comparação interanual, houve um aumento de 20,6% (US$ 35,7 bilhões). A expansão das importações desses bens foi puxada pelo volume, com alta de 25,6%, contra queda de 4,7% nos preços.
O movimento, segundo a secretária, sinaliza a expansão da capacidade produtiva da economia brasileira. “É o maior valor importado para bens de capital em mais de dez anos e isso, claro, sinaliza investimentos no Brasil, investimentos produtivos”, disse.
O superávit de US$ 74,6 bilhões ficou US$ 4,2 bilhões acima da previsão feita pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em outubro, quando era esperado um saldo positivo de US$ 70,4 bilhões.
Em janeiro do ano passado, a expectativa para 2024 era de superávit de US$ 94,4 bilhões -sendo US$ 348,2 bilhões em exportações e US$ 253,8 bilhões em importações. As estimativas são atualizadas pelo Mdic trimestralmente.
Para 2025, o governo prevê que o saldo positivo fique entre US$ 60 bilhões e US$ 80 bilhões. O piso representaria um recuo do superávit pelo segundo ano consecutivo, enquanto o teto significaria um ligeiro aumento com relação a 2024.
Para as exportações, a Secex estima um valor entre US$ 320 bilhões e US$ 360 bilhões em 2025 e, para as importações, entre US$ 260 bilhões e US$ 280 bilhões.
Segundo o diretor de Estatísticas e Estudos de Comércio Exterior, Herlon Brandão, o governo optou por um prognóstico mais amplo neste momento para minimizar a imprecisão do dado inicial. “Assim que a gente fechar o primeiro trimestre, vamos divulgar esses valores pontuais”, disse.
O cenário considera, entre outros fatores, a expectativa de que a exportação brasileira continue resiliente, com maior crescimento em volume, e a economia interna continue aquecida, com demanda crescente de insumos importados.
“O PIB [Produto Interno Bruto] crescendo acima de 2%, isso demanda mais bem importado. O investimento em bens de capital é mais produção, mais produção demanda mais insumos. Na medida em que se produz mais bem agrícola, vai demandar mais adubo e fertilizante, isso favorece o crescimento da importação também”, afirmou.
Em 2024, o petróleo superou a soja e se tornou, pela primeira vez, o principal produto de exportação do Brasil (participação de 13,3%, ante 12,5% da soja).
Para Brandão, dificilmente o petróleo manterá a liderança neste ano. Ele ressaltou que no ano passado, em relação a 2023, a soja teve uma queda de 3% em volume e de 16,9% nos preços.
Naquele ano, o Brasil teve produção histórica do grão e, de forma atípica, exportou soja para Argentina devido à quebra de safra decorrente da seca no país vizinho.
“A gente teve a volta da Argentina ao mercado internacional no ano passado, o que fez com que a oferta internacional crescesse e os preços caíssem. Na medida em que isso se normalize, não tem mais o efeito de seca, os preços podem voltar a crescer e o volume certamente vai crescer”, disse.
Segundo o diretor, as exportações do Brasil para Argentina apresentaram recuperação no último trimestre, sobretudo de produtos do setor automotivo, depois de redução nos primeiros meses do ano.
O superávit brasileiro no comércio com o país vizinho encolheu para US$ 200 milhões em 2024. No acumulado até dezembro, em relação ao mesmo período de 2023, as vendas para a Argentina caíram 17,6% e atingiram US$ 13,78 bilhões. Já as importações cresceram 13,2% e chegaram US$ 13,58 bilhões.
2025 DEVE SER AINDA MAIS INCERTO PARA O COMÉRCIO, DIZEM ANALISTAS
Lia Valls, pesquisadora associada do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e professora da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), lembra que já era esperado, desde o início de 2024, que a balança comercial não iria repetir o desempenho de 2023, que foi um ano de recordes.
“Do lado das exportações, o desempenho da China foi pior do que o esperado, e as medidas tomadas pelo governo para impulsionar o crescimento se deram mais no segundo semestre; a economia da Argentina, que é importante para a venda de automóveis, teve desempenho negativo por conta das medidas de ajuste de Javier Milei.”
Valls acrescenta que, do lado das importações, o aumento no ano passado se deu pelo desempenho da atividade econômica em 2024, que foi mais forte do que o antecipado. “O que pesa muito na importação é o ritmo de atividade. No ano passado o país cresceu mais e aí havia uma expectativa de melhora da economia, como os dados mostram, por meio da compra de bens de capital.”
Sobre os efeitos da desvalorização do real nos resultados do comércio exterior, a pesquisadora pondera que o patamar mais alto do dólar se deu nos últimos meses de 2024, quando os contratos de exportação e importação já haviam sido fechados. “Pode ser que agora a gente comece a ver mais esses efeitos, além de o dólar ter subido muito, em 2025 vamos crescer menos e isso talvez afete as importações.”
Para o presidente-executivo do IEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), era esperado que as commodities que o Brasil exporta se comportassem de forma diferente, com a quebra de safra da soja levando a um aumento de preço, mas ocorreu o contrário e o preço caiu cerca de 20%.
“A diferença é que em 2025, nós teremos teoricamente uma grande safra de soja. Mas é um ano de incertezas e o próprio governo não arrisca fazer projeções. Não sabemos o Donald Trump fará na Casa Branca, dizem que cão que ladra não morde, mas ele pode morder. Também não é garantido que a briga dos EUA com a China pode necessariamente trazer vantagens ao Brasil”, diz.
Ele também avalia que a desvalorização do real ante o dólar pode, em um primeiro momento beneficiar as exportações brasileiras, mas não há garantias de que o câmbio irá ficar nesse patamar ao longo do ano. “Também não podemos esquecer que o importador sabe tudo o que acontece no Brasil. Quando vê uma desvalorização cambial aqui, as commodities que o Brasil domina também caem de preço lá fora.”
NATHALIA GARCIA E DOUGLAS GAVRAS / Folhapress