Suprema Corte dos EUA veta uso de raça como critério de admissão em universidades

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A Suprema Corte dos EUA decidiu nesta quarta (29) que as universidades americanas não podem utilizar a raça dos candidatos em processos de admissão, encerrando assim as políticas de ações afirmativas para incentivar o ingresso de minorias no ensino superior. A decisão reverte decisões anteriores do mesmo tribunal, em mais um reflexo da atual composição da corte, de maioria conservadora.

É a segunda vez em um ano que uma decisão do colegiado altera políticas sensíveis no país —em junho do ano passado, a Suprema Corte mudou entendimento de quase 50 anos e passou a considerar que o acesso ao aborto não é um direito constitucional.

Embora cotas raciais sejam proibidas nos EUA, universidades podiam até aqui, na maioria dos estados, criar métodos para estimular o ingresso de estudantes negros e hispânicos, o que era alvo de questionamentos da justiça. A decisão desta quinta foi tomada a partir de duas ações movidas contra as universidades Harvard e da Carolina do Norte.

As instituições foram acusadas de discriminarem alunos brancos e de ascendência asiática em favor de negros, hispânicos e indígenas —o que as universidades negam.

Os casos foram impetrados pela SFFA (estudantes pela admissão justa, da sigla em inglês), que diz representar 20 mil estudantes e pais que discordam das ações afirmativas. A entidade foi criada pelo estrategista conservador Edward Blum, que questiona esse tipo de medida desde os anos 1990.

“Muitas universidades concluíram erroneamente por muito tempo que o critério de avaliação da identidade de um indivíduo não são os desafios superados, as habilidades construídas ou as lições aprendidas, mas a cor de sua pele. A história constitucional desta nação não tolera essa escolha”, escreveu o presidente da Suprema Corte, John Roberts.

Em voto de dissenso, a juíza Ketanji Brown Jackson, a primeira mulher negra no tribunal, chamou a decisão de “uma verdadeira tragédia para todos”.

A decisão desta quinta deve mudar de maneira expressiva a composição das universidades americanas, mostram as experiências até aqui. Hoje, nove estados americanos já impedem o uso de ações afirmativas a partir de leis estaduais ou decisões de tribunais locais. Michigan é um deles. Em 2006, um referendo aprovado por 58% da população proibiu o uso de raça, gênero e religião em processos seletivos de universidades e vagas de empregos. A mudança teve impacto imediato no perfil demográfico dos alunos universitários no estado. A proporção de estudantes negros na Universidade de Michigan caiu de cerca de 8% na época para 2,5% hoje —o número de alunos hispânicos, no entanto, permaneceu similar.

Em entrevista à Folha no começo do mês, Erica Sanders, vice-reitora assistente e diretora-executiva de admissão de graduandos da instituição, contou que a universidade passou a adotar políticas focadas em classe social para aumentar a diversidade, com “campanhas de recrutamento em locais com populações historicamente sub-representadas, focando alunos de baixa renda e cujos pais não têm graduação, mesmo sabendo que isso não necessariamente se sobrepõe a critérios de raça.”

Na Califórnia, o primeiro a proibir ações afirmativas, em 1996, os censos demográficos também apontam que as universidades embranqueceram após a medida.

Já os argumentos contrários às políticas afirmativas incluem, além de suposta discriminação contra alunos brancos, a falta de perspectiva para o fim dessas ações, utilizadas nos EUA desde os anos 1960.

A maioria dos americanos é favorável à manutenção das ações afirmativas, segundo pesquisa da Associated Press e da Universidade de Chicago divulgada no fim de maio. Ao todo, 63% da população defende que a Suprema Corte não proíba o mecanismo nos sistemas de admissão.

Apesar disso, entre os pontos que devem ser considerados importantes para as universidades aceitarem novos alunos, os americanos citam como critérios mais relevantes do que a raça o histórico escolar, o desempenho no vestibular, a capacidade de pagar o curso e as habilidades esportivas.

No Brasil, lei de 2012 que reserva metade das vagas em instituições federais para cotas (divididas entre critérios raciais e sociais) já teve sua constitucionalidade confirmada pelo Supremo Tribunal Federal.

Nos EUA, o sistema de admissão é diferente. Enquanto a ampla maioria das universidades brasileiras utilizam apenas o vestibular como critério de admissão, as americanas podem usar, além de uma prova, critérios como histórico escolar do candidato e cartas de apresentação e recomendação. Assim, é comum que o processo seja menos objetivo, sobretudo porque muitas instituições não divulgam seus métodos.

O uso de ações afirmativas remonta à luta pelos direitos civis, primeiro como uma maneira de impedir que pessoas de minorias raciais fossem excluídas do mercado de trabalhos. Um decreto de John Kennedy em 1961 dizia que empresas com contratos com o governo federal deveriam adotar “ações afirmativas para garantir que os candidatos sejam tratados igualmente sem distinção de raça, cor, religião, sexo ou origem nacional”.

Em 1978, no entanto, uma decisão da Suprema Corte considerou ilegal a reserva de cotas para minorias raciais ao analisar um caso da Universidade da Califórnia em Davis, que havia reservado 16 de 100 vagas de medicinas para grupos minoritários. A mesma decisão, porém, considerou legítimas ações afirmativas que considerassem raça como um dos critérios para admitir alunos. Decisões posteriores do tribunal confirmaram a legalidade da medida, ainda que com eventuais restrições.

Trinta e cinco anos depois, em 2003, um novo caso em Michigan levou a discussão novamente à mais alta instância da Justiça americana. O colegiado, à época, manteve o entendimento vigente.

THIAGO AMÂNCIO / Folhapress

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