SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Suprema Corte dos Estados Unidos reduziu consideravelmente os poderes das agências regulatórias do país ao reverter, nesta sexta-feira (28), um entendimento que dava a elas a última palavra em disputas sobre temas como meio ambiente, previdência social e defesa do consumidor.
O entendimento em questão, conhecido como “doutrina Chevron”, conferia a essas agências autonomia para interpretar eventuais ambiguidades nos textos das leis aprovadas pelo Congresso.
Afinal, os funcionários dessas organizações supostamente teriam mais conhecimento técnico do que juízes ou legisladores para determinar como essas diretrizes podem ser aplicadas na prática. Nesse sentido, esses profissionais também seriam responsáveis por adaptar textos de anos, às vezes décadas atrás para a realidade contemporânea.
A doutrina deriva de um veredicto apresentado pelo Supremo americano em 1984, diante de uma disputa judicial entre a companhia petrolífera Chevron e o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, uma ONG de defesa do meio ambiente.
Na época, a ONG fazia campanha contra uma diretriz da Agência de Proteção Ambiental dos EUA relacionada à chamada Lei do Ar Limpo que permitia que os estados considerassem um complexo industrial inteiro uma fonte única de poluição, em vez de lidar com cada fonte poluente individual separadamente.
A Chevron apresentou um recurso ao Supremo argumentando que a interpretação da agência -que permitiria à empresa fazer modificações em uma refinaria sem a necessidade de novas licenças-, era válida dada a ambiguidade do texto da legislação.
O tribunal ficou do lado da Chevron, estabelecendo um teste para determinar quando os juízes deveriam manter ou não a interpretação de uma agência reguladora acerca de uma lei que ela fiscaliza e cujo texto é considerado vago.
Desde então, cerca de 17 mil decisões judiciais em tribunais inferiores se basearam nesse teste (ou doutrina), além de 70 veredictos da própria Suprema Corte.
Nos últimos anos, porém, a direita vinha criticando o poder dessas agências, para ela incompatível com o de funcionários públicos não eleitos.
O grupo, que inclui muitos apoiadores do ex-presidente e atual candidato Donald Trump, afirma que cabe aos juízes, e não aos órgãos administrativos, interpretar eventuais lacunas e disposições obscuras na legislação.
Esse foi o mesmo entendimento expresso pela Suprema Corte americana na decisão divulgada nesta sexta –os 6 juízes conservadores que compõem o tribunal votaram a favor dela, e os 3 liberais, contra.
“Os tribunais não podem acatar a interpretação de uma lei por parte de uma agência simplesmente porque sua escrita é ambígua. Eles devem agir de forma independente ao julgar se uma agência agiu dentro de sua autoridade estatutária”, diz o texto.
Conservadores saudaram imediatamente o veredicto, sugerindo que ele pode indicar novas vias para contestar regulações federais em temas que vão desde pílulas abortivas até o meio ambiente.
Roman Martinez, advogado de uma de uma das empresas que apresentou o recurso ao Supremo, afirmou que ele representava “uma vitória para as liberdades individuais”. “A corte deu um grande passo para preservar a separação de poderes e impedir o abuso de autoridade por parte das agências,” disse ele.
A decisão representa uma nova derrota para o presidente Joe Biden, cuja performance vacilante no debate com Trump na véspera fez reacender as discussões em seu Partido Democrata sobre a substituição de seu nome pelo de um outro candidato nas eleições presidenciais de novembro.
O programa que motivou a ação julgada pelo Supremo era governamental. A iniciativa buscava restringir a pesca excessiva de arenque na costa da Nova Inglaterra exigindo que empresas pesqueiras que atuavam na região pagassem para que técnicos ligados ao Estado monitorassem a captura dos animais.
Além disso, o veredicto atesta o poder cada vez mais reduzido do Executivo americano ante o Judiciário, de maioria conservadora, ainda mais em um momento em que a divisão partidária do Congresso dificulta a aprovação das leias.
A Suprema Corte que emitiu a decisão desta sexta foi, afinal, a mesma que revogou o direito ao aborto no país em 2022.
Redação / Folhapress