SANTA BÁRBARA D’OESTE, SP (FOLHAPRESS) – Pouco antes da viagem na qual se deparou com Alexandre de Moraes em um aeroporto na Itália e se tornou alvo da Polícia Federal sob suspeita de hostilidade ao ministro do STF, Roberto Mantovani Filho chegou a ter uma conversa amistosa com Luis Vanderlei Larguesa, presidente do PT em Santa Bárbara dOeste (interior de São Paulo) que foi seu parceiro de chapa, em dobradinha com o PL, em uma eleição municipal.
“Ele me apresentou [a quem estava com ele]. A única coisa é que ele fez uma observação: olha, esse aqui é um grande político, amigo meu, tal: o único defeito dele é ser do PT. Fez essa observação como muita gente faz, mas num tom descontraído”, conta Larguesa, que manifestou estranhamento nesta segunda-feira (17) diante do episódio que envolveu Mantovani, Moraes e familiares de ambos na última sexta-feira (14) em Roma.
O empresário de 71 anos, influente nos negócios, na política e no futebol do município de 183 mil habitantes próximo de Campinas, prestou depoimento nesta terça-feira (18) à PF após um caso que gerou amplo repúdio na classe política. Disse ter reagido a ofensas e “afastado” uma pessoa que seria filho do magistrado.
Visto como algoz por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos últimos anos, Moraes foi hostilizado no aeroporto italiano, aos gritos de “bandido”, “comunista” e “comprado”, e relatou um golpe contra seu filho, cujos óculos chegaram a cair.
Mantovani, que estava com Andreia Munarão, sua esposa, Alex Zanatta Bignotto, seu genro, e Giovanni Mantovani, seu filho, definiu a situação como “um entrevero”. A defesa da família negou ofensa a Moraes e disse que acabou envolvida após hostilidade de outro grupo, mas se nega a expor detalhes e deixa perguntas sem respostas. Não comenta, porém, sobre a agressão ao filho do ministro do Supremo Tribunal Federal, atribuída ao empresário de Santa Bárbara.
O petista Larguesa, candidato a vice na chapa derrotada em que Mantovani tentou ser prefeito em 2004, quando os dois partidos tinham aliança nacional, afirma que prefere aguardar as apurações. O PL, pelo qual concorreu naquela eleição, só se tornaria partido de Bolsonaro em 2021.
O ex-candidato a vice define seu antigo parceiro como “conservador” e diz acreditar que tenha votado no então presidente em 2022. “Mas conheço um monte de gente que votou no Bolsonaro e que não tem perfil radical”, diz.
“Eu, francamente, estranhei”, completa, em relação ao conflito no aeroporto.
Em Santa Bárbara dOeste, antes do caso envolvendo Moraes, Mantovani é conhecido há décadas pela atuação como presidente do clube de futebol União Barbarense durante um período tido como áureo do time, no fim da década de 1990 e começo dos anos 2000.
Em 1999, em um momento registrado pelo jornal Folha de S.Paulo, chegou a participar de uma homenagem do clube a Zagallo, tetracampeão mundial de futebol e então técnico da Portuguesa.
“Nós nunca imaginamos que o Zagallo, que é tetracampeão do mundo de futebol, viesse a Santa Bárbara”, disse Mantovani na época.
O jornalista JJ Belani, pesquisador da história do time, diz que Mantovani foi um dos maiores presidentes do clube. “Com ele no comando, o União Barbarense conquistou seu maior título, o de campeão paulista da Série A-2 em 1998 e em seguida campeão paulista do interior em 1999”, afirmou.
Com isso, o time subiu para a primeira divisão. Posteriormente, outros grupos políticos assumiram o clube, que voltou à segunda divisão.
Pela atuação como empresário em uma empresa de bombas voltadas à indústria e acessórios, Mantovani já recebeu homenagens na Câmara Municipal de Santa Bárbara.
Atualmente, ele é filiado ao PSD, segundo a sigla. O partido, porém, pode expulsá-lo após avaliação da comissão de ética. Em 2020, Mantovani apoiou candidatos locais com doações de R$ 19 mil distribuídos, R$ 11 mil foram para o PSD.
A aposta, novamente, não vingou nas urnas. O candidato Dr. José (PSD), que recebeu R$ 4.000 do empresário, perdeu para o atual prefeito, Rafael Piovezan (PV).
Políticos locais agora também parecem se esquivar de vínculo com o empresário.
Em 2018, o vereador Joi Fornasari (PV) fez uma moção de aplausos à Helifab, empresa de Mantovani, citando-o nominalmente. Nesta segunda, a reportagem procurou Fornasari pessoalmente na Câmara, mas foi informada que ele não falaria sobre o tema.
Não foi a primeira homenagem recebida por Mantovani, que já havia recebido o título de Cidadão Barbarense e também uma medalha da Casa Legislativa.
Contatado pela reportagem, Mantovani informou que passaria esta segunda-feira fora de Santa Bárbara e indicou a reportagem a procurar seu advogado, Ralph Tórtima Filho.
A reportagem também foi até a residência do genro dele, Alex Zanatta, que não quis dar entrevista. Ele prestou depoimento à PF no domingo (16) em Piracicaba (SP) e negou a acusação de ofensas ao ministro.
Em Santa Bárbara, no segundo turno das eleições de 2022, 66% da população votou em Bolsonaro contra Lula. Mantovani, porém, busca afastar a pecha de bolsonarista radical em meio ao episódio com Moraes.
O advogado da família afirma que Mantovani já esteve com Lula no passado e sempre teve relação de respeito com o PT.
“O ocorrido [no aeroporto] não tem qualquer conotação política”, diz. “Não houve em momento algum nada direcionado ao ministro, em momento algum eles quiseram atingir a imagem pública do ministro.”
O advogado, mais uma vez, evitou comentar a suspeita de agressão contra o filho de Moraes. Segundo ele, o assunto será tratado nesta terça, quando o empresário vai depor à PF.
De acordo com o advogado, a família está assustada com a repercussão do caso e “ciente que isso tudo logo vai ser esclarecido”.
Tórtima Filho diz que Mantovani atualmente está aposentado e se dedica principalmente a cuidar dos netos. Já a esposa dele, segundo o defensor, atua como voluntária em entidades beneficentes.
O empresário fez carreira no comando da Helifab, do ramo de bombas, que distribuía produtos da Netzsch fundada na Alemanha, que afirma ter adquirido a empresa no ano passado e que buscou se distanciar do antigo parceiro.
Segundo o grupo, Mantovani não representa mais a Netzsch. “O Grupo Netzsch claramente não se alinha com as atitudes do Sr. Roberto Mantovani e condenamos veementemente suas ações e comportamento”, diz a empresa.
Apesar disso, afirma que está “verificando se ainda existem relações comerciais ativas entre o Sr. Mantovani e a Netzsch”.
ARTUR RODRIGUES E RUBENS CAVALLARI / Folhapress