SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Talvez eu seja louca”, brinca Natalie Portman sobre seu sucesso em enredos de suspense. Depois de viver uma atriz que copia os trejeitos de uma mulher que se envolveu com um menor de idade em “Segredos de um Escândalo”, de Todd Haynes, a atriz estreia “A Mulher no Lago”, no Apple TV+.
Na trama, Portman é Maddie, uma dona de casa infeliz que enfrenta o machismo da comunidade judaica em Baltimore, nos Estados Unidos, em 1966. Ela queria ser repórter investigativa, mas abriu mão do sonho para servir o marido e cuidar do filho.
O rumo de sua vida muda na véspera do Dia de Ação de Graças, feriado americano que antecede o Natal. Maddie vai até o mercado comprar um cordeiro abatido ainda jovem, e sente uma pontada de remorso quando o açougueiro diz a ela que ninguém sentirá falta do animal.
Ao carregar o pedaço de carne, ela suja sua roupa de sangue e passa por uma loja de roupa onde Cleo, interpretada por Moses Ingram, trabalha como manequim. Ambas se encaram fixamente por alguns segundos no encontro que parece selar o seu destino. Pouco depois, Maddie descobre que uma menina que frequentava a sinagoga com sua família desapareceu.
Esse é o estopim para que ela largue o marido e vá viver em um pequeno apartamento no bairro negro da cidade para investigar o crime por contra própria. Enquanto isso, Cleo trabalha para o dono da casa de apostas ilegal da cidade, disfarçada de bar de jazz, e será a próxima vítima.
O enredo de “A Mulher do Lago” é mais uma adaptação de livro encabeçada pelo Apple TV+ depois do recém lançamento das séries “Terra de Mulheres” e “Acima de Qualquer Suspeita”, com estrelas consagradas no cinema. Foi Jean-Marc Vallée, diretor de “O Clube de Compras Dallas” e da série de sucesso “Big Little Lies”, morto em 2021, que levou a história de Laura Lippman até a diretora Alma Har’el.
Embora ficcional, o livro foi inspirado em dois assassinatos reais que aconteceram em Baltimore na década de 1960, o de uma menina judia branca e o de uma mulher negra na casa dos 30 anos –mas apenas o primeiro causou comoção geral e mobilização da polícia.
Na trama original, a investigação tem vários narradores, mas Alma Har’el, diretora e produtora, decidiu contar tudo agora num dueto entre Maddie e Cleo. “No estilo noir, a mulher era a femme fatale, uma coisa perigosa e bonita, mas você nunca sabia muito sobre ela”, afirma a diretora, por videochamada, sobre o gênero cinematográfico que serviu de molde para a série.
Apesar dos assassinatos estarem no centro da trama, os segredos e os cotidianos contaminados pelo antissemitismo e pelo racismo de Maddie e Cleo são o verdadeiro fio condutor da história. “Um dos maiores mistérios em que cada um de nós está inserido é quem somos”, diz Har’el.
O protagonismo de Natalie Portman caiu como uma luva. “Ela é muito boa em interpretar personagens que não são claramente uma coisa ou outra”, afirma Har’el. “Segredos de um Escândalo”, afinal, é mais um triunfo num currículo que já tem “Cisne Negro”.
“Acho que sou atraída por personagens muito intensos. É desafiador, de certa forma, entrar em mentes obsessivas”, afirma Portman, também por videochamada, depois de sugerir certa loucura. O que chamou sua atenção em “A Mulher no Lago” foi a indagação de que pessoas oprimidas podem se tornar opressoras.
“Muitas vezes, se você foi vítima de ódio, você assume que não faria isso com outra pessoa. E o oposto acontece”, diz a atriz, que fez a árvore genealógica de sua família antes do seriado. Os bisavós de Portman emigraram da Europa Oriental em direção a Baltimore no século 19.
A atriz judia e nascida em Israel se mudou com os pais para os Estados Unidos aos três anos. O tema da opressão pelo ódio ressurgiu no último Oscar, quando profissionais da indústria cinematográfica se posicionaram contra a Guerra Israel-Hamas, a exemplo do discurso de Jonathan Glazer pelo cessar-fogo na Palestina.
Portman se solidarizou com os israelenses vítimas do ataque terrorista de outubro de 2023 e também já se posicionou contra o governo de Benjamin Netanyahu, repudiando a forma como os palestinos estavam sendo tratados pelo governo.
“Experimentar ódio não automaticamente te torna contra todo ódio, mas deveria ser assim. E algo que quero estar consciente em minha própria vida. Só porque sou de um grupo de pessoas que experimentou o ódio, não tenho um cartão que me garanta que eu não poderia fazer o mesmo com outra pessoa”, argumenta a atriz. “A consciência é algo que precisa ser cultivado.”
ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress