SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O tapa é uma medida educativa aceitável para 25% dos brasileiros, mostra a Pesquisa Nacional Sobre Atitudes e Percepções Sobre Maus-Tratos e Violência Contra Crianças e Adolescentes no Brasil, publicada no início da tarde desta terça (31).
Entre os entrevistados, 52% afirmam que já tiveram tal atitude com suas crianças, e 67% relatam ter vivenciado a prática na infância.
A percepção de que castigo é melhor que diálogo é relatada por 27%, e 16% concordam que bater com objetos é uma prática educacional saudável sendo que 38% já fizeram isso com suas crianças e 67% vivenciaram a prática na infância.
A pesquisa foi realizada pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal e pelo Instituto Galo da Manhã, com apoio técnico da Ipsos e da Vital Strategies. Os dados foram coletados entre 5 de novembro de 2021 e 1º de dezembro de 2021 em formato domiciliar e face a face.
A pesquisa foi realizada em 134 municípios de todas as regiões do país. Ao todo foram feitas 2.238 entrevistas, com pessoas com 18 anos ou mais, de todas as classes sociais.
A idade média dos entrevistados é 42 anos, e cerca de 4 entre 10 têm filhos menores de 18 anos.
De acordo com dados divulgados em julho no 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes cresceram no país em 2022. Houve aumento de casos de abandono, maus-tratos, lesão corporal e de crimes sexuais.
A nova pesquisa sobre a violência contra crianças aponta que a parcela da população que mais vivenciou violência na infância concorda mais com as práticas violentas, na comparação com a parcela de pessoas que menos experienciou agressões na infância.
Além de concordar, quem vivenciou mais violência na infância usa práticas violentas até 2,5 vezes mais com suas crianças.
Para Sofia Reinach, gerente da área de prevenção de violências da Vital Strategies, a pesquisa demonstra como uma criança que sofre agressão pode se tornar um adulto violento. “A violência é intergeracional. Se a gente não reduz esses ciclos, eles vão impactar as próximas gerações”, diz.
Reinach ressalta que embora a maior parte dos entrevistados diga acreditar que o diálogo é melhor, uma porcentagem alta ainda vê os métodos de punição como algo educativo. “As pessoas acreditam pouco na eficácia da violência, mas elas praticam mais do que acreditam”, afirma.
Em relação aos fatores que influenciam o fim da infância, 38% concordam que alguém que comete um assalto deixa de ser criança e 36% acreditam que o mesmo acontece com quem trafica drogas.
Na avaliação de Reinach, esses dados demonstram que a concepção da população diante da infância é frágil no Brasil. Ela afirma que a população brasileira entende a importância do brincar, dos direitos dos menores de idade e até considera a infância por um período até mais longo que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) a maioria acredita que a infância vai até os 14 anos, enquanto o ECA pontua que a pessoa é considerada criança até 12 anos incompletos.
“Porém, isso pode se perder caso o jovem cometa certas ações. [Para eles] Isso não é passível de uma educação, reversão, nem compreensão de que são crianças.”
Outro dado que chama atenção da especialista, ela diz, é o de que 64% da população não tomaria nenhuma medida ao presenciar uma violência contra uma criança ou adolescente.
Para Reinach, a pesquisa mostra que a ideia de que não se deve interferir no problema alheio ainda é presente no dia a dia da população brasileira. “Isso está relacionado com a nossa aceitação da violência. Se ela não aceitasse, ela faria alguma coisa.”
O estudo aponta que 22% não interferiria porque “cada um toma conta da própria vida”; 25% justificam a negligência por “não terem conhecimento do motivo da violência”; 17% admitem que gostariam de interferir, mas ficariam constrangidos ou com medo.
Em relação à confiança em serviços de proteção a crianças e adolescentes, escolas e equipamentos de saúde aparecem como os com maior confiança, com 82% e 81%, respectivamente.
Em relação aos deveres das crianças, 82% concordam que é certo que adolescentes entre 14 e 18 anos trabalhem fora de casa. Entre crianças de 11 a 13 anos, 49% dizem acreditar que este grupo já pode assumir a responsabilidade por atividades doméstica. Já 18% acreditam que a responsabilização já pode começar na faixa dos 4 aos 10 anos.
“Existe um pensamento de que o trabalho vai educar e manter a criança no bom caminho”, diz Reinach, que admite que, na maioria das vezes, aquela criança está ajudando com a renda da casa.
“É uma sociedade que oferece poucas oportunidades. A criança que tem de estar na escola em um período e trabalhando no outro não tem acesso a outras atividades formativas, como brincadeiras educativas”, afirma.
“Não há uma estratégia nacional pensada para a violência. Isso é feito de forma muito fragmentada e considerando só quatro fontes de dados de segurança pública, que são subnotificados”, afirma Lucas Lopes, secretário executivo da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes.
Segundo ele, as evidências demonstram a necessidade de uma política única de combate à violência.
“É necessário ampliar a transparência do orçamento público sobre o gasto social de crianças e adolescentes. Hoje não conseguimos nem dizer se o Brasil investe adequadamente na prevenção.”
Ele afirma ainda que intervenções precoces por exemplo, visitas a domicílios onde há gestantes ou famílias com crianças na primeira infância podem contribuir para reduzir alguns tipos de violências, como maus-tratos e a própria compreensão das famílias sobre o que é violência.
“Quase sempre as nossas políticas públicas acabam virando campanha de comunicação. É importante ajudar a população a entender o que é violência, uma vez que ela naturaliza, mas só informação não é suficiente. É preciso dar suporte para essas famílias”, conclui.
ISABELLA MENON / Folhapress