Tarcísio muda sistema e câmeras vão ser acionadas por PMs ou de maneira remota em SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O novo edital lançado pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) para a aquisição de 12 mil câmeras para a Polícia Militar sofreu alterações significativas em relação ao sistema atualmente em vigor, principalmente na forma como a gravação é feita.

Especialistas em segurança pública consultados pela reportagem apontam que o novo modelo pode trazer prejuízos para futuras investigações, ao deixar sob responsabilidade dos policiais na rua a ligação do equipamento.

Hoje a corporação conta com pouco mais de 10 mil câmeras que gravam de forma ininterrupta, sem que o policial precise ligá-las. Ele pode apenas acionar um dispositivo que melhora a qualidade da imagem e do áudio.

Com a mudança, caberá ao policial ligar a câmera para que a gravação tenha início. Além disso, uma central também poderá fazer o acionamento caso ela perceba que o agente na rua descumpriu o protocolo e não ligou o equipamento.

Dados mostram que a letalidade policial caiu após o início do programa de câmeras corporais. As mortes decorrentes de intervenção policial caíram 85% nos batalhões com os equipamentos em 2021. Já em 2022, a queda no número de mortos pela polícia no estado com idades entre 10 e 19 anos foi de 80%, e acelerou após a implementação dos dispositivos.

A Secretaria da Segurança Pública, chefiada pelo ex-PM Guilherme Derrite, confirmou à reportagem a alteração no sistema de gravação.

A pasta disse que no atual modelo de gravação ininterrupta muitas vezes os equipamentos acabam sem bateria durante as ações policiais. Além disso, afirmou que há um alto custo de armazenamento, embora apenas uma pequena parte do material seja aproveitado posteriormente em investigações.

“Tais condições inviabilizavam a expansão do sistema. Deste modo, a pasta optou por um modelo de câmera com acionamento manual e remoto, ampliando as funcionalidades em relação ao equipamento anterior”, disse a secretaria, em nota.

Ainda segundo a pasta, ao enviar uma equipe para uma ocorrência ou ao ser notificado por policiais na rua de um caso, o Copom (Centro de Operações da Polícia Militar) terá condições de verificar se o equipamento foi acionado ou não pelo agente. Em caso negativo, o dispositivo poderá ser ligado remotamente pela central.

A gestão Tarcísio afirmou também que o policial que não cumprir o protocolo será responsabilizado. “Todas as imagens captadas por meio dos equipamentos poderão ser acessadas de forma imediata e também ficarão armazenadas em um data center da Polícia Militar por tempo indeterminado”.

Em nota enviada após a publicação da reportagem, a secretaria da Segurança Pública enfatizou que os policiais deverão sempre acionar as câmeras durante uma ocorrência. “Quando isso não acontecer o acionamento se dará remotamente e o policial será responsabilizado. Além disso, a câmera pode ser acessada remotamente e terá um sistema de ‘buffer’, para armazenar imagens 90 segundos antes de ser acionada, para que seja possível registrar toda a ocorrência desde o início”, diz a nota.

A pasta afirmou ainda que “os índices de letalidade policial estão ligados diretamente à reação violenta dos suspeitos ao trabalho policial, que na atual gestão tem combatido de forma mais efetiva, com treinamento, inteligência e tecnologia, todas as modalidades criminosas, em especial o crime organizado.”

Procurado, o Ministério Público disse que defende o uso das câmeras corporais e que acompanha a sua implementação pela PM, mas que ainda vai analisar as mudanças antes de comentar o tema.

A Defensoria Pública de São Paulo e a ONG Conectas Direitos Humanos enviaram ao presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, um ofício em que demonstram preocupação com o novo plano estadual para o uso de câmeras corporais dos policiais militares. A informação foi antecipada pela coluna Mônica Bergamo no dia 19.

“O governo prometeu nos últimos meses que ia somar funcionalidades às câmeras corporais, e o que o edital está fazendo, na verdade, é substituir funcionalidades”, diz o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP Daniel Edler.

“Está tirando da câmara os atributos que tornavam ela um equipamento bom para fiscalização do uso da força e transformando as câmaras só em um instrumento operacional da polícia. É por isso que vem com áudio bidirecional, com reconhecimento facial, com reconhecimento de placa”.

Essas três funcionalidades citadas por ele estão previstas no novo edital e não existem nas câmeras atuais.

Edler diz que estudos indicam que as câmeras que gravam ininterruptamente têm um efeito maior sobre a redução do uso da força. “Quando elas só gravam com a intenção do policial, a redução do uso da força tem um grau muito mais baixo e já há vários estudos indicando que chega a ser irrisório ou até nulo.”

Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo afirma que o texto do edital não deixa claro como deve funcionar o formato das gravações.

“No programa atual, a câmera grava ininterruptamente, ela fica o tempo todo gravando e quando você tem uma ocorrência, o policial aciona a gravação intencional, então você pega áudio, você pega a gravação com maior precisão. O modelo atual do programa tem essa gravação ininterrupta porque ele serve para muitas coisas, inclusive um compliance mais amplo da atividade policial”.

O tema câmeras já sofreu várias reviravoltas na atual gestão, com declarações contrárias e favoráveis tanto de Tarcísio quanto de Derrite. O governador chegou a questionar a efetividade do uso dos equipamentos pelos policiais.

Porém, em abril ele assumiu o compromisso do uso de câmeras durante operações da PM no estado. O acordo foi feito com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, no âmbito de uma ação na qual a Defensoria Pública paulista pedia a obrigatoriedade do uso dos aparelhos nas ações.

Das 10 mil câmeras atualmente em funcionamento, o contrato de 3.000 vence no dia 1° de junho. Como elas funcionam em um sistema de comodato, deveriam voltar para a empresa dona dos equipamentos após esta data. Um segundo lote vence em julho.

A Secretaria da Segurança Pública, porém, afirmou que vai renovar os contratos atuais até que a nova licitação seja concluída e que não há risco de que faltem câmeras.

Pelo novo edital, as câmeras, a serem adquiridas por comodato por um período de 30 meses prorrogáveis por até 60 meses, devem ter funcionalidades extras como reconhecimento facial, reconhecimento de placas de veículos furtados ou roubados, entre outras especificações técnicas. A empresa vencedora também terá que manter funcionários no comando da PM para suporte.

De acordo com Carolina Ricardo tal situação sobrecarrega o equipamento. “Você muda o caráter do programa de câmeras quando insere todas essas funcionalidades, o sistema deixa de ser uma ferramenta de compliance da gestão da atividade policial, de profissionalização da atividade policial, com formação, com acompanhamento mais permanente das imagens, e tende a virar um programa de vigilância mais securitista”.

Outro ponto levantado por Carolina Ricardo são os prazos. O edital foi lançado nesta quarta com data de sessão pública para o dia 10 de junho.

“Considerando que é um edital extremamente complexo, que não se sabe se vai ter empresa com condição de apresentar todos esses requisitos, esse é um risco. Pode haver atraso no cronograma previsto. E se houver impugnação do edital, porque ele é tão complexo, ou algum outro problema, como é que eles vão fazer para garantir que o serviço não seja interrompido?”, acrescentou.

“Acho que esse é um risco real que a gente tem que enfrentar, não se pode interromper o serviço, que demorou anos para ser implantado, é supercomplexo, lidou com a resistência da tropa para funcionar e a gente não tem muita clareza se não vai ter interrupção.”

Na tarde desta quinta-feira (23) dezoito entidades da sociedade civil, entre elas a Conectas, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Fogo Cruzado e a Comissão Arns manifestaram preocupação com o novo edital para contratação das câmeras.

Em um texto conjunto, o grupo afirma que as mudanças vão precarizar o programa de câmeras da PM paulista. “Dentre os principais pontos de alteração, destacamos preocupação com o fim das gravações ininterruptas (vídeo de rotina), o tempo de armazenamento dessas imagens para uso da polícia judiciária e do próprio sistema de justiça criminal e, principalmente, os requisitos para as empresas participarem do processo licitatório”, diz a carta.

As entidades ainda se queixam de que a nova licitação reduz o tempo de armazenamento dos vídeos intencionais de 365 para 30 dias. “Uma alteração que pode comprometer o uso das imagens como provas técnicas e evidências em investigações e processos judiciais.”

Conforme a gestão Tarcísio, o estado possui 10.125 câmeras corporais, as quais permitem cobrir 52% do trabalho operacional. “Com o novo edital, além de manter a cobertura atual e aperfeiçoar a tecnologia, haverá uma expansão de 18%, permitindo atender também outros comandos de policiamento”.

PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress

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