Tarcísio recua de recuos e impõe no governo ações antes colocadas em dúvida

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na campanha para o Governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) chegou a voltar atrás em promessas consideradas polêmicas, como privatizar a Sabesp e acabar com as câmeras nos uniformes de policiais. Uma vez eleito, porém, o governador ignorou os recuos e levou adiante sua agenda inicial.

A privatização da Sabesp, que Tarcísio quer aprovar na Assembleia Legislativa de São Paulo ainda neste ano, não aparece no plano de governo do então candidato, mas se tornou a principal bandeira da sua gestão.

O documento fala em “avançar na universalização de água tratada e coleta e tratamento de esgoto, antecipando a meta de universalização de 2033 para 2027, com melhoria da qualidade do serviço e tarifas justas”.

Um dos argumentos do governo a favor da privatização é o de que a capitalização trará recursos para antecipar a universalização do saneamento no estado para 2029 sem aumentar a tarifa para o consumidor.

O plano, contudo, fala em conceder ativos como “os aeroportos de Congonhas, Campo de Marte e os portos de Santos e São Sebastião”. A Sabesp não é mencionada.

Ainda em fevereiro de 2022, Tarcísio afirmou que iria privatizar a Sabesp. “Chegando lá, a gente vai vender a Sabesp, sim, vai vender a participação na Sabesp”, disse em um evento que reuniu empresários e o setor de finanças.

“Eu acho que tem que privatizar a Sabesp porque você ganha eficiência, ganha governança e gera recursos, bota dinheiro pra dentro”, completou.

Principal adversário de Tarcísio naquela corrida, Fernando Haddad (PT) passou a responder à proposta, afirmando que a venda da estatal provocaria aumento na tarifa. O candidato do Republicanos, então, mudou o discurso e declarou que iria estudar a privatização da estatal.

“Vou estudar privatização desde o primeiro dia. Se eu chegar à conclusão que a privatização vai promover esse objetivo, vai melhorar a prestação de serviços e proporcionar uma tarifa mais baixa, vamos seguir com a privatização. Mas se a gente observar que a privatização, em alguma medida, pressupõe risco à prestação de serviço, para o cidadão, não faremos”, disse em outubro de 2022 à Rádio Eldorado.

No entanto, depois de vencer o segundo turno, Tarcísio declarou em dezembro que venderia a Sabesp, mas os estudos para avaliar a viabilidade da privatização só seriam contratados em abril deste ano.

“Vamos vender a Emae primeiro. Enquanto isso, a gente vai trabalhando naquela que vai ser a grande privatização do estado de São Paulo, que é a Sabesp. Pessoal atacava muito na campanha, dizendo que a conta de água ia aumentar. Mentira, vai diminuir”, disse em um evento.

Na campanha, em dois debates, Haddad chegou a ironizar a oscilação de Tarcísio em relação ao tema.

“Você não fala o que você vai fazer. Eu acho que você vai privatizar porque você já falou que ia privatizar. Aí você falou que voltou atrás. Aí você voltou a falar que está pensando, mas a gente não sabe o que você quer fazer com o maior patrimônio estatal paulista”, declarou o petista.

Em um dos debates, Tarcísio, ao fazer uma comparação com a Eletrobras, afirmou que a privatização traria investimentos e que a conta iria diminuir para o consumidor.

Outra promessa ruidosa, a retirada das câmeras dos uniformes dos policiais, também sofreu diversas reviravoltas. Na prática, embora o governador tenha desistido oficialmente da sua ideia, ele vem promovendo medidas que enfraquecem essa política.

Na visão do então candidato Tarcísio, as câmeras inibiriam o trabalho policial. O posicionamento recebeu diversas críticas de especialistas no tema e, internamente, até da própria polícia. O programa Olho Vivo fez parte de uma iniciativa que levou oito anos para ser colocada em prática e que era considerada um sucesso.

Diante da reação pública, Tarcísio passou a afirmar que decidiria, ouvindo especialistas e a polícia, se manteria ou não as câmeras. Seu plano de governo abria espaço para as duas interpretações: “Rever política das câmeras corporais”.

“Considero que hoje a câmera inibe o policial, tem atrapalhado a produtividade, mas isso é uma percepção. O que a gente vai fazer se eleito? Chamar as forças de segurança e avaliar do ponto de vista técnico a efetividade ou não e o aperfeiçoamento da política pública. Não existe nenhuma política pública que não possa ser reavaliada, reconsidera”, disse em outubro de 2022.

Eleito, afirmou que manteria o programa. “A questão das câmeras, eu fui mais crítico na campanha, agora vamos segurar. Vamos manter. Vamos ver o resultado e que ajustes a gente pode fazer”, disse ele em dezembro.

O que se viu na prática, porém, foi diferente. Primeiro, a gestão descontinuou um estudo científico que tinha avaliado o impacto das câmeras corporais no comportamento de policiais militares em São Paulo.

No mês passado, em uma nova redução do programa, o governo cortou R$ 15,2 milhões do financiamento das câmeras corporais. Em agosto, o governo já havia retirado R$ 11 milhões.

Em 30 de outubro passado, Tarcísio afirmou não ter planos para comprar novas câmeras. A declaração vem no momento em que a letalidade policial cresceu 86% no terceiro trimestre no estado de São Paulo em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Mais um caso em que Tarcísio acabou recuando do recuo foi na nomeação do seu concunhado Mauricio Pozzobon Martins.

No início do ano, Martins foi nomeado como assessor especial do governador. O STF (Supremo Tribunal Federal) estabelece que o nepotismo viola a Constituição Federal, o que abrange concunhados. Tarcísio afirmou que não sabia do veto e cancelou o ato.

No entanto, ele foi eleito em maio passado um dos membros do comitê de auditoria da Desenvolve SP. Em setembro, a remuneração de Martins foi de R$ 16 mil.

Procurada pela reportagem, a assessoria do governo afirma que Tarcísio “está cumprindo rigorosamente o que disse ao longo de toda campanha eleitoral de 2022, em diversas entrevistas, sabatinas e debates” a respeito da Sabesp.

Ou seja, que “o modelo de governança da companhia seria objeto de estudos técnicos e que a desestatização seria uma opção caso se mostrasse vantajosa para a população”.

Em nota, o governo diz ainda que o programa de câmeras “tem recursos garantidos para a manutenção dos 10.125 equipamentos atualmente em uso” e que “é incorreta a alegação da reportagem de que o programa esteja sendo cortado”.

A respeito do concunhado de Tarcísio, a assessoria afirma que a posse de Martins foi “autorizada pelo Banco Central e está em acordo com a legislação” e que a eleição dele “cumpre os requisitos do regimento interno” da Desenvolve SP.

ARTUR RODRIGUES E CAROLINA LINHARES / Folhapress

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