SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Principal elo entre o investidor boliviano Marcelo Claure, vice-presidente global da Shein, a varejista chinesa e o governo brasileiro, o empresário Josué Gomes afirma que seu papel na equação é ajudar o país a atrair capital estrangeiro.
Em entrevista à Folha de S.Paulo , o dono da Coteminas e presidente da Fiesp defende a parceria da empresa com a Shein como parte desse esforço.
Quanto à crítica de colegas -sobretudo do setor têxtil, mas também de outras áreas- de que não teria se empenhado pela isenção de importados até US$ 50 -a “taxa das blusinhas”, que acabou aprovada-, diz que o arrecadado com a mudança é “ínfimo” perto da isenção dos duty frees, por exemplo. “Quem dera se o cross-border (compra de produtos de outro país) fosse de fato o grande problema dos setores afetados.”
Mas afirma que trabalhou sim pela nova taxação, e rebate. “A tributação isonômica sempre foi solicitada. Dei por escrito a minha opinião ao governo. Agora, não sou líder classista que fica nos jornais batendo boca. Falo o mínimo necessário, porque mineiro fala pouco, né?”
PERGUNTA – O acordo da Shein com a Coteminas e a boa relação do sr. com o Claure parece ter ajudado a abrir portas para a empresa no governo brasileiro, até pela boa relação que o sr. tem com o presidente Lula.
JOSUÉ GOMES – Todas as vezes que conseguimos atrair investimentos é bom para o Brasil. E o meu papel, como empresário e como dirigente de uma entidade de classe, é também buscar que o Brasil seja bem visto por investidores estrangeiros.
O Brasil hoje vive um momento excepcional. Somos parte da solução de problemas que afligem a humanidade. Na questão das mudanças climáticas, na transição energética. Temos uma posição geográfica única, somos um país pacífico, com instituições sólidas, proximidade cultural com o Ocidente e uma ponte com os países da África, um continente que vai crescer muito nas próximas décadas.
E aí, de fato, fico muito satisfeito que estrangeiros gostem do Brasil, especialmente pessoas como Marcelo e como o Alex Allard, que fez algo admirável aqui em São Paulo [o complexo Cidade Matarazzo], um investimento que nós, brasileiros, nem acreditávamos. Acho que nós, brasileiros, temos que acreditar um pouco, como muitos estrangeiros, acreditam no nosso país.
P. – Mas houve no mercado quem visse a aproximação da Shein com a Coteminas como uma estratégia da varejista chinesa para conseguir impedir ou diminuir a “taxa das blusinhas”. Como responde a esses comentários?
JG – Tudo começou porque eles estavam e estão desenvolvendo cadeias de suprimento em alguns países que consideram chave. Eles tinham uma produção extremamente concentrada na China e queriam desenvolver em outros mercados -Turquia, Índia, México, Brasil. E aí me procuraram como um homem que conhece do setor têxtil.
Estamos ainda tentando colaborar e ajudar nesse trabalho. Eles acreditam que o Brasil pode oferecer produtos competitivos para o mercado local e regional em algumas áreas. Isso foi todo o início da conversa. Desdobrou-se em tentativa de ajudá-los a partir daí.
P. – Alguns exploram o fato de o sr. ser presidente de uma entidade de classe e ao mesmo tempo um industrial do setor têxtil, pivô dessa controvérsia…
JG – Como presidente da entidade de classe, o que eu sempre falei é que nós não podemos enganar os nossos associados. Porque começou-se a atribuir a este assunto do cross-border a razão de todos os males do setor industrial de alguns segmentos.
Eu sempre falei com os meus amigos da Shein que a taxação tem que ser isonômica. Disse pra eles que, nesse aspecto, estamos em lados diferentes da mesa, e que o que poderia era ajudá-los a construir cadeia de produção no Brasil.
Mas o que eu sempre defendi dentro da entidade de classe é que nós não podíamos atribuir apenas ao cross-border os males da indústria, porque aí estaríamos enganando os nossos associados.
P. – O número [arrecadado com a “taxa das blusinhas”] é relevante?
JG – É. Mas é ínfimo perto do tamanho de outros aspectos de importação que também merecem tratamento isonômico. Por exemplo, viajante internacional: US$ 1.000 [valor da isenção para compras em free shop no desembarque de voos internacionais]; são potencialmente 24 milhões de viajantes internacionais que entram no Brasil. Portanto, US$ 24 bilhões é um valor muito mais significativo do que o cross-border.
Importações em função do Mercosul, do famoso drawback [regime que concede isenção tributária para matérias-primas adquiridas para a fabricação de produtos destinados à exportação] intrazona, também são valores expressivos. Minha preocupação é não enganar o meu associado. Quem dera se o cross-border fosse de fato o grande problema dos setores afetados. Porque seria fácil resolver.
P. – Mas o sr. acha que a solução dada pelo governo, que está vigorando agora, ajuda a minorar o problema?
JG – Agora pelo menos tem uma tributação. De fato, a tributação isonômica sempre foi solicitada, tenho muita tranquilidade com isso. Dei por escrito a minha opinião ao governo. Agora, não sou líder classista que fica nos jornais batendo boca. Falo o mínimo necessário, porque mineiro fala pouco, né?
P. – E a boa relação que o sr. tem com o Claure ajuda nisso?
JG – Ah, não, mas aí é por outras razões, é muito mais do que Shein. A gente hoje nem fala mais sobre Shein; só de vez em quando, ele me pergunta quando a gente pode voltar a desenvolver as cadeias de suprimento para eles. Eles continuam contando com isso e vamos fazer.
Houve ou está em vista algum outro empréstimo da Shein à Coteminas?
Não, absolutamente. Aquilo é um financiamento que vai ser pago. Não temos nenhuma dúvida disso.
P. – Mas em que medida a reação do setor -Abitex, Abvtex-, atrapalhou o acordo?
JG – Não atrapalhou em nada, absolutamente. Aliás, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Nós nos propusemos a ajudar a Shein a trazer produção para o Brasil. E, pelo que eu estou informado, ainda que não tenhamos conseguido fazer tudo que tínhamos previsto, ela trouxe muita produção para o Brasil.
A Shein é um dos investimentos do Marcelo. É que a Shein ficou tão conhecida no Brasil que acaba se associando demais o nome dele à Shein. Mas ele tem uma história de investimentos no Brasil muito mais longa do que isso. Eu até brinquei um dia que o esforço dos varejistas e dos industriais brasileiros de fazerem propaganda para as empresas chinesas é uma coisa admirável. Eles falaram tanto neles que eles acabaram se tornando extremamente conhecidos.
RAIO-X | JOSUÉ GOMES, 60
Filho do ex-vice presidente da República, José Alencar, é formado em engenharia civil na UFMG e direito na Faculdade Milton Campos, com MBA na Universidade de Vanderbilt, no Tennessee. É dono da Coteminas e presidente da Fiesp. Nasceu em Ubá (MG).
FABIO VICTOR / Folhapress