PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Taylor Swift não é assunto na programação. Suas músicas não tocam nos bares. Quem olha de fora pode até duvidar que seus fãs estejam na Flip, em meio a debates de elevadíssimas pretensões, mas eles estão, sim. Circulam por aí como uma maçonaria “swiftie” -uma que aceita mulheres, naturalmente.
“É uma seita”, diz, rindo, Camila Berto, de 29 anos, editora executiva da Companhia das Letras, ao receber um pedido de entrevista por WhatsApp e indicar pessoas que também poderiam falar sobre a cantora, que encerrou sua turnê no Brasil na noite deste domingo. O meio literário pode levar a fama de torcer o nariz para fenômenos populares desse naipe. A reputação é, em partes, justa -mas não totalmente.
Primeiro, há a questão estatística. Swift tem tantos seguidores que eles certamente se espalham por qualquer lugar, de editoras tarimbadas a lojas de picolé. Além disso, há intelectuais que se dedicaram à cultura de massa. Basta lembrar, por exemplo, que Roland Barthes escreveu textos sobre o telecatch e comerciais de sabão. Não são poucos os mal-humorados com o furacão Swift.
Uma das escritoras mais tietadas nas ruas de pedra respondeu ter mais o que fazer quando questionada, justo no dia do apagão do primeiro dia de festa, se gostava da artista. Achava que a panela literária em Paraty tem que se preocupar que os restaurantes estavam sem luz, e a comida poderia ser servida estragada.
Mas, perguntando direitinho pela cidade, você encontrava vários literatos que levam a loirinha muito a sério. “Taylor é a Annie Ernaux da música pop”, diz Bruna Kalil Othero, de 28 anos, para se corrigir. “Ou melhor, Annie Ernaux é a Taylor da literatura.”
Segundo a autora de “O Presidente Pornô”, atração na programação paralela do festival, “as duas loirinhas são as grandes mestras da autoficção contemporânea”, por partir de histórias pessoais “para criar narrativas envolventes que atingem multidões”.
Que fique de lição. “Nós, escritores, temos muito que aprender com Taylor, pois ela consegue alcançar o público de uma maneira impressionante. Artistas também têm que saber divulgar seu trabalho. Não adianta apenas ficar no escritório produzindo.”
“Taylor leva conceitos de teoria literária, como o biografema de Roland Barthes, o uso de fragmentos da vida para criar narrativas ficcionais, para leitores e espectadores num nível global, bagunçando e provocando as fronteiras entre o real e a ficção.”
Othero também vê paralelo com Hilda Hilst, que ela estudou no mestrado. “Hilst se criou a si como persona, e essa invenção ficcional é tão grande quanto a sua obra literária. Também acho que podemos ler Taylor desta forma. As músicas não são a grande obra de Taylor Swift.
Sua obra-prima é a personagem Taylor Swift.” A conversa está ficando séria mesmo. E essa análise é semelhante à que João Paulo Cuenca, de 45 anos, outro escritor “swiftie”, costuma fazer. “A minha pira é que, para mim, ela transformou a arte da performance -esse lance Yoko Ono, Marina Abramovic e Sophie Calle- numa coisa de estádio, em uma Coca-Cola”, diz Cuenca.
“Ela é o Bob Dylan elevado à Abramovic. Faz uma transição da cultura da performance vinda da vanguarda para a cultura de massa de um jeito que ninguém fez, sabe? Isso é muito assombroso”, ele afirma. Segundo Cuenca, a artista operou um esfumaçar da fronteira entre vida e obra de um jeito que a própria vida -com diários, cartas, polêmicas e posições políticas- se tornou uma obra em si.
A figura midiática da cantora é, para ele, “um paratexto dos discos”. “Ela fala das suas experiências para pessoas que se identificam com isso de forma direta. Penso no Paul Valéry, para quem o efeito da arte é justamente essa separação entre vida e obra. No caso dela, esse muro não existe”, afirma.
Em agosto, a Universidade de Gante, na Bélgica, criou uma disciplina eletiva centrada no trabalho de Swift, usado como ponto de partida para analisar autores como John Keats e Sylvia Plath. O nome é “Literature (Taylor’s Version)”, em referência aos álbuns que ela vem regravando após uma briga com o antigo empresário.
No começo do ano, instituições americanas já tinham feito algo semelhante. Stanford, por exemplo, criou uma cadeira para analisar técnicas narrativas na obra da cantora. “Ela é uma escritora, é uma musicista que conta boas histórias, seja da própria vida, seja de personagens que criou”, diz Berto, da Companhia das Letras, que acompanha Swift desde a adolescência e foi a dois shows no Rio de Janeiro.
Gostando ou não, é preciso ficar de olho, diz o escritor Alexandre Vidal Porto, de 58 anos. “Não estou dizendo que você tem que se tornar um ‘swiftie’. Mas você precisa entender o que galvaniza tanta gente, cria emoções para tantos”, diz o autor de “Sodomita”.
Newsletter Tudo a ler Receba no seu email uma seleção com lançamentos, clássicos e curiosidades literárias *** “Você não pode simplesmente subestimar uma geração inteira porque você arrogantemente não quer conhecer. Isso é muito mais uma questão de indolência e preguiça de querer se atualizar.” Não que ele tenha se deixado levar pelo canto da sereia gringa.
“Em termos de música, estou mais preocupado com Prince do que com Taylor Swift”, diz. “Mas essa atualização cultural e sociológica é importante [para escritores] se você escrever sobre a sociedade em que está, como conhecer gírias para continuar entendendo a linguagem.”
Vidal Porto tentou se informar. Não gostou do que ouviu. “Achei que era uma pessoa tentando entender sua nacionalidade fofamente. Quando houve o episódio da morte da fã no Rio, ela não soube lidar bem com o público. Achei uma boboca. Então, para quem não ouviu Taylor Swift, ‘good for them’.”
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER E MAURÍCIO MEIRELES / Folhapress