BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O TCU (Tribunal de Contas da União) decidiu nesta quarta-feira (7) que o presidente Lula (PT) pode permanecer com um relógio de ouro dado a ele de presente em 2005, no seu primeiro mandato, e abriu brecha para rediscutir o caso do recebimento de joias pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O tribunal se dividiu em três correntes. Prevaleceu o entendimento do ministro Jorge Oliveira, indicado por Bolsonaro ao cargo. Oliveira concordou que não há norma que defina o conceito de “bem de natureza personalíssima” e alto valor de mercado.
Com esse entendimento, o ministro propôs que, até que haja lei específica regulamentando e definindo esses conceitos, não é possível definir que os artigos recebidos durante o mandato possam ser classificados como bens públicos. Portanto, não haveria necessidade de devolução à União. A posição dele foi acompanhada por quatro de oito ministros que votaram.
“Reitero que, a despeito da farta regulamentação sobre acervo documental, até a presente data não há norma de hierarquia legal ou mesmo infralegal aplicável ao presidente da República que estabeleça regras sobre recebimento, registro ou incorporação de presentes ou bens a ele direcionados”, disse Oliveira.
“Sob tais fundamentos, não é possível impor obrigação de incorporação ao patrimônio público em relação ao bem objeto desta representação, como também não o é em face daqueles que são escrutinados em outros processos que tramitam nesta corte”, afirmou.
A posição do ministro não apenas poupa Lula, mas abre caminho para que se rediscuta se Bolsonaro cometeu ilegalidades ao ter ficado com artigos de luxo dados a ele pela Arábia Saudita.
No ano passado, o TCU determinou que o ex-presidente devolvesse à União joias de luxo que ganhou da Arábia Saudita e que foram omitidas da Receita Federal.
A decisão do tribunal foi baseada em resolução da corte de 2016, que estabeleceu que o recebimento de presentes em cerimônias com outros chefes de Estado deveria ser considerado patrimônio público, excluídos apenas itens de natureza considerada personalíssima. À época, dois ministros faltaram à sessão: Oliveira e o ministro Vital do Rêgo.
Bolsonaro foi indiciado na investigação da Polícia Federal que apurou o recebimento de presentes de autoridades estrangeiras não registrados pela Receita Federal e a posterior venda dos itens.
A PF concluiu que o ex-presidente cometeu crimes de associação criminosa (com previsão de pena de reclusão de 1 a 3 anos), lavagem de dinheiro (3 a 10 anos) e peculato/apropriação de bem público (2 a 12 anos) no caso das joias. Cabe agora à PGR (Procuradoria-Geral da República) decidir se o denuncia e, depois, ao STF (Supremo Tribunal Federal), se o torna réu.
Nesta quarta, a corte de contas julgou processo apresentado pelo deputado federal bolsonarista Sanderson (PL-RS) em agosto de 2023.
O parlamentar pediu que o TCU avaliasse se o relógio dado a Lula estava registrado na lista de presentes oficiais e solicitou a imediata devolução do item.
Em parecer, a área técnica do TCU defendeu que Lula pudesse permanecer com o item porque a resolução do TCU sobre o assunto é posterior ao recebimento do presente. O relator do caso, ministro Antônio Anastasia, seguiu a posição da área técnica. Anastasia foi acompanhado por um ministro.
O tema começou a ser julgado em março, mas foi interrompido a pedido do decano da corte, Walton Rodrigues, que pediu na ocasião mais tempo para analisar o caso.
Walton defendeu a entrega do relógio ao patrimônio público, fixando um entendimento de que objetos desse tipo devem sempre pertencer à União, mas ficou isolado com seu voto.
“Não somos uma ditadura de país em que o ditador confunde seu patrimônio com o do próprio país”, afirmou.
A ideia de Walton foi estabelecer um marco, que valesse tanto para Lula quanto para Bolsonaro, bem como para chefes do Executivo federal anteriores com situações semelhantes. Com isso, ele defendeu que a Presidência “transfira ao patrimônio público todos os bens que foram ou vierem a ser entregues, no exercício do cargo, aos presidentes da República, ainda que por terceiros”, com exceção de “bens de natureza personalíssima, de pequeno valor”.
JULIA CHAIB / Folhapress