BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um superfaturamento identificado de R$ 13 milhões na obra da nova sede do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília, pode ficar sem qualquer responsabilização por parte do TCU (Tribunal de Contas da União). Auditores do tribunal pediram a prescrição do processo –a construção, inconclusa, está parada há nove anos.
A obra já consumiu R$ 547 milhões. Só para mantê-la parada, os cofres públicos desembolsaram R$ 37 milhões nesse período. O gasto equivale a um custo diário médio de R$ 11 mil, como mostrou a Folha. O custo total orçado para a obra é de R$ 1,4 bilhão.
O próprio TCU foi quem identificou e calculou o superfaturamento, segundo documentos obtidos pela reportagem. Agora, a área técnica do órgão pede a prescrição com base em uma resolução interna de outubro de 2022.
A construção começou em 2007, e o processo que identificou irregularidades foi aberto pelo TCU em 2014. O trâmite ficou parado no tribunal de maio de 2014 a março de 2020. Desde maio do ano passado, aguardava parecer técnico sobre as alegações do consórcio de construtoras responsáveis, chamado Nova Sede do TRF.
Em 15 de junho, a secretaria-geral de controle externo do TCU pediu o arquivamento das irregularidades constatadas na construção.
No documento, o técnico Cassio Delponte Vidal, da auditoria especializada em infraestrutura urbana e hídrica, disse que foi publicada “nesse ínterim” uma resolução do tribunal que trouxe novos parâmetros para a prescrição, com incidência imediata nos processos pendentes de julgamento.
De acordo com Vidal, as pretensões punitivas e de ressarcimento passaram a prescrever em cinco anos. A prescrição intercorrente passou a incidir no caso de o processo ficar paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho.
Ele ressaltou que, antes da mudança de regra, o processo “seguia seu trâmite sem qualquer causa prescritiva, considerando que o entendimento consolidado do tribunal era de que a pretensão ressarcitória era imprescritível”.
A auditora-chefe da unidade, Keyla Araújo, concordou com o parecer de Vidal, em documento assinado no mesmo dia.
Ela destacou que quando o plenário do TCU julgou as contas referentes à obra, em acórdão de novembro de 2021, “predominava a jurisprudência do tribunal, fundada em decisões da própria Suprema Corte, pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário”.
Na ocasião, os ministros determinaram que os elementos apresentados pelo consórcio construtor após o encerramento da etapa de instrução processual fossem analisados pela unidade técnica.
“Ocorre que, em 20/4/2020, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela incidência da prescrição nessas ações de ressarcimento”, acrescentou a auditora, citando em seguida também a resolução recente do TCU.
Em 2014, os técnicos do tribunal verificaram que houve superfaturamento na contratação de serviços da obra com valores acima dos praticados pelo mercado, alguns sem qualidade adequada e outros com superestimativa dos quantitativos.
O valor apurado pelos auditores alcançou o montante de R$ 3,9 milhões, data base de 31 de dezembro de 2007, chegando a R$ 13 milhões, segundo atualização calculada pelo tribunal. Ao todo, o contrato firmado entre o TRF-1 e o Consórcio Nova Sede do TRF para execução da obra foi fechado por R$ 477,8 milhões.
Faziam parte do consórcio as construtoras Via Engenharia, OAS e Camargo Corrêa. Procurada, a defesa do consórcio disse que não se manifestará sobre o caso.
A auditoria do TCU defendeu que as contas do Consórcio Nova Sede do TRF fossem julgadas como irregulares, condenando-o ao pagamento do débito apurado e de multa. Em abril de 2020, o Ministério Público junto ao TCU concordou com a proposta da unidade técnica.
O processo foi apreciado pelos ministros do TCU em novembro de 2021, mas o ex-ministro Raimundo Carreiro, então relator do caso, sugeriu que fossem analisados os argumentos do consórcio.
O consórcio apresentou elementos adicionais de defesa em maio de 2022 e o processo, que mudou para a relatoria do ministro Antonio Anastasia, ficou parado desde então para essa análise.
Foi ao longo desse período que, segundo a área técnica, o caso prescreveu.
Os pareceres ainda precisam ser analisados por Anastasia. Depois, deve haver uma votação entre os ministros no plenário.
A assessoria de imprensa do TCU respondeu que Anastasia não iria se manifestar, pois ainda não há decisão do tribunal posterior ao acórdão de 2021.
“O processo aguarda manifestação do Ministério Público junto ao TCU e depois será apreciado em plenário. A instrução da unidade técnica não representa uma decisão do tribunal”, disse.
A assessoria do TRF-1 não respondeu e alegou que os questionamentos caberiam ao TCU.
O projeto da nova sede do tribunal, feito pelo arquiteto Oscar Niemeyer, foi planejado para uma área de 57,6 mil metros quadrados, com três pavimentos sobre pilotis e subsolo.
A construção inclui gabinetes de 350 metros quadrados para desembargadores e uma área destinada ao presidente com quase o dobro do tamanho.
Segundo o tribunal, o término da obra está previsto para novembro de 2030. Até lá, o custo previsto de R$ 1,4 bilhão é mais do que o dobro do inicialmente calculado. Todos os recursos são oriundos do orçamento da União.
Em 2008, o Ministério Público Federal no Distrito Federal chegou a ajuizar uma ação civil pública pedindo a suspensão da construção, apontando que ela seria um “atentado ao princípio da economicidade”. Na ocasião, a obra estava orçada em R$ 480 milhões, com previsão para terminar em 2015.
CONSTANÇA REZENDE / Folhapress