SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Passados mais de nove meses da publicação de um áudio em que o ministro Augusto Nardes, do TCU (Tribunal de Contas da União), afirma ter conhecimento de que “um movimento muito forte nas casernas” levaria a um “conflito” de consequências “imprevisíveis” para o país, a corte omite informações sobre os desdobramentos do episódio.
Em 20 de novembro do ano passado, a Folha de S.Paulo revelou a mensagem, enviada por Nardes a um grupo de amigos ligados ao agronegócio. Ouvida hoje, soa como prenúncio de uma tentativa de ruptura institucional semelhante à ocorrida semanas depois, em 8 de janeiro.
“É o pior momento que a nação vai viver, mas talvez seja importante pra poder recuperar. (…) O que vai acontecer agora? Está acontecendo um movimento muito forte nas casernas. Eu acho que é questão de horas, dias, no máximo uma semana, duas, ou talvez menos que isso, que vai acontecer um desenlace bastante forte na nação. Imprevisíveis”, afirma Nardes.
“Vamos perder? Sim, vamos perder alguma coisa, mas a situação para o futuro da nação poderá se desencadear de forma positiva, apesar desse principal conflito que deveremos ter nos próximos dias ou nas próximas horas.”
Antes de ser ministro do TCU, Nardes atuou na política: foi vereador, deputado estadual e deputado federal representando o Rio Grande do Sul, sempre por legendas de direita, desde a Arena, partido de sustentação da ditadura. No áudio, ele relembra sua atuação ao longo dos anos para fortalecer o que chama de “sociedade conservadora”.
Também elogia o então presidente Jair Bolsonaro (PL), que recém tinha sido derrotado na eleição presidencial pelo atual presidente, Lula (PT).
“Agora veio o Bolsonaro, que despertou a sociedade conservadora, e hoje todo mundo está nas ruas fazendo a defesa desses princípios. Demoramos, mas felizmente acordamos.”
O ministro se vangloriou do papel que ocupava no entorno do poder após a eleição presidencial do ano passado. “Falei longamente com o time do Bolsonaro essa semana (…), [o presidente,] tem esperança de recuperar e melhorar a sua situação física, e certamente terá condições de enfrentar o que vai acontecer no país. (…) Eu não posso falar muito até porque…, sim tenho muitas informações.”
Nardes então conclui: “Os próximos dias serão nebulosos e o que vai acontecer de desdobramento não se sabe, mas certamente teremos desdobramentos muito fortes nos próximos dias”.
Com a repercussão do áudio, o ministro pediu ao tribunal de contas licença médica, que foi renovada pelo menos duas vezes, conforme foi noticiado em dezembro pelo jornal O Globo. Mais não se sabe: o TCU não revela.
A reportagem enviou na terça-feira (22) ao tribunal as seguintes perguntas: Foi tomada alguma providência interna para apurar o teor do áudio do ministro? Há/houve algum processo aberto na Corregedoria do TCU ou algo semelhante? Houve alguma advertência, oral ou por escrito, ao ministro Augusto Nardes? O TCU foi demandando por algum órgão de investigação ou de controle para prestar esclarecimento ou fornecer informações sobre o caso? Que informações prestou?
O tribunal –que costuma realizar avaliações sobre o nível de transparência de órgãos dos três Poderes– não respondeu a nenhuma delas. Limitou-se a afirmar que “as informações a respeito de assuntos afetos à Corregedoria não são de caráter público, não sendo possível o seu compartilhamento”.
Augusto Nardes também é o relator do processo do TCU que apura possíveis irregularidades na venda ou tentativa de negociação de presentes recebidos pelo ex-presidente Bolsonaro em viagens oficiais. Numa primeira medida, em março, ele proibiu Bolsonaro de vender os presentes, mas não determinou a sua devolução, o que só ocorreu por decisão do plenário da corte.
A reportagem também pediu para entrevistar os ministros Augusto Nardes e Bruno Dantas, este presidente do TCU, mas ambos se recusaram a falar. Nardes informou que já se pronunciou sobre o episódio anteriormente, por meio da seguinte nota.
LEIA ÍNTEGRA DA NOTA DE NARDES
“O ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), esclarece que, contrariamente ao que tem sido veiculado, em momento algum falou em golpe militar ou fez qualquer comentário atentatório às instituições do país ou a qualquer de suas autoridades constituídas.
Apenas teceu comentários e externou reflexões pessoais sobre a situação atual do país, além de ponderações sobre os eventuais desdobramentos possíveis em um cenário de tensionamento da democracia que ainda subsiste em vários estados e localidades na nação.
Reafirma que apenas manifestou a interlocutores de um setor sua preocupação como cidadão com os movimentos que são observados nas casernas e que podem resultar em consequências imprevisíveis.”
FABIO VICTOR / Folhapress