BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Algumas vezes criticada por seus pares pela tepidez, a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), saiu da penumbra ao defender publicamente a desvinculação do valor das aposentadorias ao salário mínimo, mas acabou entrando na mira da esquerda ao escolher atacar um tema caro ao PT.
A ministra acabou ficando isolada em seu posicionamento, que não teve respaldo nem sequer do ministro Fernando Haddad (Fazenda). O episódio colocou na vitrine a dissonância que há meses já vinha se manifestando nos bastidores do governo.
A conduta de Tebet chegou a ser apontada como um exemplo de desgoverno durante um jantar do ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) com a coordenação da bancada do PT na Câmara, na noite de terça-feira (7).
O fato de Tebet ter suscitado uma pauta negativa no mesmo momento em que as ações do governo no Rio Grande do Sul ganham visibilidade foi usado por petistas como uma demonstração de desafinamento dentro da equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Padilha, porém, minimizou o problema, recomendando que os parlamentares não dedicassem energia a um tema que nem sequer consta da agenda do governo.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada na segunda-feira (6), a ministra pregou a desvinculação dos benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), como aposentadorias, pensões e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que passariam a ser corrigidos pela inflação.
Hoje, dois terços dos benefícios da Previdência correspondem ao valor de um salário mínimo (atualmente em R$ 1.412) e, sob as regras atuais, se beneficiarão da política de valorização do piso reinstituída por Lula, que garante aumentos reais de acordo com o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).
Especialistas afirmam que a combinação pode ser explosiva e minar a sustentabilidade do próprio arcabouço fiscal proposto por Haddad.
A Fazenda tem defendido a revisão de gastos, mas integrantes da pasta veem a desvinculação dos benefícios como a proposta que tem menos chance de avançar, dada as resistências de Lula e do núcleo duro do governo.
Nem mesmo a flexibilização dos pisos constitucionais de Saúde e Educação, já defendida publicamente pela equipe econômica, tem chance de avançar neste ano, segundo auxiliares de Haddad. A aliados, o ministro já admitiu que temas mais delicados como este “têm hora certa”, que pode também nunca chegar.
A equipe da Fazenda insiste na necessidade de revisão das renúncias fiscais e veem na estratégia de Tebet uma tentativa de colocar o debate na mesa para mostrar a urgência do tema. A investida se dá após a própria ministra se tornar alvo de cobranças e críticas de que essa agenda, vendida como o carro-chefe de sua pasta, ainda não decolou.
Mas Haddad isolou Tebet nessa missão e não deu apoio público à proposta ligada às aposentadorias, embora uma postagem do ministro na rede social X (antigo Twitter) tenha gerado especulações.
Ele recomendou a leitura de um artigo do economista Bráulio Borges, pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas).
Carregando post do Twitter
No texto, o especialista afirma que a busca por algum aumento de carga tributária “parece ser adequado”, dada a erosão da base de arrecadação nos anos anteriores. Esse argumento já foi citado repetidas vezes por Haddad na defesa de medidas que elevam receitas.
Porém, o mesmo artigo traz a defesa da desvinculação das aposentadorias e outros benefícios sociais. Por isso, o compartilhamento do texto pelo ministro foi lido no mercado como um endosso tácito à medida percepção que ruiu após ele sepultar as chances de avanço da mudança em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Para críticos do governo, o episódio da semana só mostrou que tanto Tebet quanto Haddad jogam para a plateia, mas não têm força para colocar a agenda em prática. O diagnóstico dos técnicos mais pragmáticos do governo é que, antes de mais nada, o governo deveria focar em fazer o básico, como a revisão dos benefícios e o combate à fraude, ações em curso no INSS.
Outra proposta da ministra em desacordo com o chamado campo progressista é a inclusão dos repasses do Fundeb (Fundo da Educação Básica) para cumprimento do piso constitucional de educação.
A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), escancarou sua posição contrária nas redes sociais. “São ideias muito ruins, que contrariam o programa de governo eleito em 2022”, disse. “É no mínimo preocupante que sejam defendidas pela ministra @simonetebetbr. Responsabilidade fiscal não tem nada a ver com injustiça social.”
Na quarta-feira (8), dia seguinte ao jantar de Padilha com a bancada do PT, a articulação do governo precisou entrar em campo e negociar com deputados os termos de um convite para que Tebet preste esclarecimentos à CMO (Comissão Mista de Orçamento).
O requerimento original destinava o convite a Tebet e à ministra Esther Dweck (Gestão), que tem uma visão mais alinhada à do PT. O governo temia que as duas entrassem em contradição publicamente sobre, por exemplo, a ideia da desvinculação. Por isso, atuou para que apenas a titular do Planejamento fosse chamada.
Tebet deverá falar à comissão no mês que vem. A interlocutores, a ministra avisou que persistirá nos estudos para reduzir despesas do governo e seguirá defendendo a desvinculação, apesar da resistência na base lulista. A avaliação é que, nesse debate, ela teria o apoio de técnicos da Fazenda e do Planejamento.
A indicação mais combativa, porém, destoa da imagem constituída até aqui pela ministra entre seus pares de Esplanada.
No governo, a avaliação é que Tebet tem atuação esmaecida, aquém da expectativa criada a partir de sua postura no Senado Federal e na disputa presidencial de 2022.
Aliados do presidente elogiam a ministra por sua correção, lealdade e determinação. Mas admitem que esperavam maior projeção e combatividade da ministra, inclusive na defesa das ações do governo e até no combate às fake news, das quais foi vítima.
Um integrante da cúpula petista diz que Tebet tem atuação correta, o perigo estaria nas posições liberais.
Alguns integrantes do governo também a criticam pelo que classificam como uma falta de agenda do Ministério do Planejamento, já que a revisão de gastos não avança, e outras propostas internas, como a nova Lei de Finanças, não resolvem o problema fiscal e tampouco viram a luz do dia.
Lula, por sua vez, elogia Tebet, demonstrando admiração e respeito. Ainda segundo colaboradores, o presidente incentiva a presença da ministra em reuniões do governo e recomenda que seja chamada a participar da tomada de decisões.
O presidente também tem encorajado e dado visibilidade a uma das poucas pautas do Planejamento que ganharam projeção: o plano de integração sul-americana, por meio de rotas regionais. Apesar de ter se tornado uma bandeira da pasta, ainda há dúvidas sobre as reais condições de o plano sair do papel, pelo volume de recursos necessários e pela necessidade de coordenação com outros países.
CATIA SEABRA, ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI / Folhapress