Tela de R$ 16 mi atribuída a Tarsila na SP-Arte é falsa, afirmam especialistas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma tela de Tarsila do Amaral à venda por R$ 16 milhões na feira SP-Arte tem agora sua autoria questionada. Uma pessoa próxima à organização do catálogo raisonné da artista, considerado a referência para a sua obra, afirmou, em condição de anonimato, que o quadro não foi feito pela pintora.

Um marchand do mercado secundário concorda. “A obra não é autêntica, caiu de paraquedas de algum lugar que ninguém sabe de onde, sem histórico. É um pastiche”, diz Jones Bergamin, da Bolsa de Arte, maior casa de leilões do país que comandou a venda do quadro “A Caipirinha”, de Tarsila, arrematado por R$ 57,5 milhões.

“Dezesseis milhões é um absurdo de dinheiro. Se fosse autêntica, ela seria mais valiosa do que R$ 16 milhões, deveria valer R$ 25 milhões, R$ 30 milhões. Conheço e trabalho com Tarsila há muitos anos”, acrescenta ele.

O galerista que pôs a pintura à venda, Thomaz Pacheco, da OMA, afirma não ter qualquer dúvida sobre a autenticidade da obra, assim como o dono da tela, que prefere não ter o nome publicado.

Em nota, a SP-Arte afirma contar “com um rigoroso processo de avaliação e seleção das galerias que pretendem participar da feira” e que a obra nunca foi aprovada ou exposta na feira. Diz ainda que em nenhum momento foi informada que a tela seria exibida e que, sendo assim, o quadro nunca foi submetido ao crivo da organização do evento.

A tela estava dentro de uma mala acolchoada e era preciso saber de sua existência para poder vê-la. A reportagem teve acesso à obra na quarta-feira, dia de abertura da SP-Arte para convidados.

A obra passa por testes na tentativa de ter sua legitimidade comprovada. Primeiro, serão feitas análises técnicas por Fabiana Trindade, da Universidade Federal do ABC, para comparar a composição da tinta da tela com outras obras de Tarsila já certificadas. Depois dessa validação, Pacheco diz que vai procurar Aracy Amaral, uma das maiores especialistas na obra de Tarsila, em busca de anuência.

O proprietário do quadro, um homem de 60 anos com laços familiares com o Líbano, onde também morou, diz ter pedido uma opinião sobre a tela para galeristas. Eles teriam afirmado que a obra é verdadeira, mas acrescentaram que o caminho para a certificação seria longo.

Isso porque a tela, datada de 1925, não está no catálogo raisonné de Tarsila, o registro de todas as obras realizadas por um artista e que atesta a legitimidade das peças, e porque ele teria de conseguir o aval de especialistas na pintora. O consenso no meio da arte é que a palavra final sobre o que é ou não Tarsila fica a cargo do colegiado que organizou o raisonné, que só se manifesta em conjunto.

Tarsilinha, sobrinha-neta de Tarsila e profunda conhecedora da obra da tia, disse que não pode certificar a autoria e que só falaria em conjunto com a comissão. A reportagem procurou também os herdeiros da pintora que cuidam de seus direitos autorais, mas eles não se manifestaram até o momento da publicação.

A tela mostra casinhas em meio a coqueiros e é semelhante a outras pinturas da mesma fase da obra da artista, o período da década de 1920, sua temporada de formação em Paris. Segundo o proprietário, a pintura foi um presente de casamento de seu pai para a sua mãe, em 1960.

Ele relata que sua família, da alta sociedade paulistana, era ligada às artes e conhecia a família Amaral, de Tarsila, embora não fossem próximos. Diz ainda que não seria fácil achar documentos da obra nos arquivos de sua família, mas que não é impossível.

Segundo ele, a tela estava na cidade de Zalé, no Líbano, desde 1976, para onde sua família se mudou. O quadro teria sobrevivido aos ataques israelenses de 1981, que atingiram sua casa, pois teria ficado soterrado sob um piano e só a moldura teria sido danificada. O quadro mudou de cidade depois dos ataques.

O proprietário conta ter trazido a obra para o Brasil há pouco, por medo de que o conflito de Israel com o Hamas volte a atingir o Líbano, vizinho de Israel.

Pacheco, o galerista, afirma que a obra não consta do raisonné justamente porque estava fora do Brasil quando o catálogo foi produzido, na segunda metade da década de 2000. O dono da obra afirma não ter sido procurado pela equipe que organizou a publicação.

JOÃO PERASSOLO / Folhapress

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