SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio às tensões entre a Rússia e o Ocidente decorrentes da Guerra da Ucrânia, a Alemanha anunciou nesta segunda (25) um plano para revisar os bunkers disponíveis para a população procurar instalações privadas que possam ser convertidas em caso de emergência.
Segundo o Ministério do Interior, estão no alvo estacionamentos subterrâneos e porões que possam ser transformados em abrigo. A pasta, cautelosa, não citou a crise internacional, motivo da iniciativa segundo a imprensa alemã.
Nem seria preciso. O ministro da Defesa do país, Boris Pistorius, já disse mais de uma vez que a Alemanha está se preparando para um cenário em que a Rússia estará pronta para atacar países da Otan, a aliança militar liderada pelos EUA da qual Berlim faz parte, até 2030.
Na semana passada, a pasta falou acerca da Operação Plano Alemanha, que visa mapear as necessidades do país em caso de conflito.
Os alemães alocaram um fundo específico para compra de caças e outros equipamentos quando a guerra estourou, em fevereiro de 2022. Há dez anos, a maior economia europeia empregava 1,19% de seu PIB em defesa; neste ano, ultrapassou a meta da Otan de 2% e chegou a 2,12% pela primeira vez depois da Guerra Fria.
O agravamento do conflito na Ucrânia fez agora as medidas chegarem à população. A piora da posição de Kiev no campo de batalha e as incertezas de comprometimento do futuro governo Donald Trump nos EUA serviram de aperitivo para uma escalada perigosa na semana passada.
O crepuscular presidente Joe Biden autorizou a Ucrânia a usar mísseis de maior alcance contra alvos dentro da Rússia, sendo seguido por Londres. Ato contínuo, Vladimir Putin empregou uma nova e poderosa arma na guerra, um míssil que foi desenhado para múltiplos ataques nucleares.
O recado, que já havia sido antecipado pela mudança na doutrina ampliando o leque de possibilidade de uso da bomba atômica pelo Kremlin, gerou diversas críticas. Mas o governo do premiê Olaf Scholz manteve sua posição de não fornecer armas como mísseis de cruzeiro a Volodimir Zelenski, ainda que reiterando o apoio a Kiev.
Só de abrigos públicos, a Alemanha já teve mais de 2.000 na Guerra Fria, quando era a linha de frente entre EUA e União Soviética, tendo sido dividida pelos vencedores do nazismo em 1945. Hoje, são 579, com capacidade para cerca de 480 mil habitantes. O país mais populoso da Europa tem 84,5 milhões de moradores.
Em Berlim, muitas estruturas antigas, da Segunda Guerra Mundial, viraram museus, baladas e galerias de arte. Outros contam histórias: o famoso abrigo em que o ditador Adolf Hitler se matou não é aberto ao público, mas fica sob um estacionamento bastante visitado no centro da capital.
Agora, os bunkers sem valor histórico serão reavaliados. Entidades de proteção civil alemãs estimam que é necessário ampliar rapidamente a rede, de preferência com a criação de espaços para 5.000 pessoas ou mais.
O Ministério do Interior disse que irá criar um aplicativo que avisa, em caso de emergências, qual é o bunker mais próximo do cidadão. Tal arranjo existe em países com guerra ativa, como Israel, e em outros com conflitos congelados mas sempre à espreita, como a Coreia do Sul.
A iniciativa alemã replica o que já vem ocorrendo na Suécia desde que os tanques de Putin cruzaram a fronteira ucraniana. O país abandonou 200 anos de neutralidade e aderiu à Otan neste ano.
Lá, o trabalho tem sido orientado pela MSB (sigla local para Agência Sueca de Contingências Civis). Outra frente quente da Guerra Fria, pela proximidade da Rússia, a Suécia tem uma vasta rede de abrigos públicos e privados listada pelo governo: 64 mil, segundo a conta mais recente. Mas apenas parte deles está operacional.
“A MSB revisa a cada ano cerca de 2.000 abrigos e conclui quais são as medidas necessárias para deixá-los em boas condições. A agência recebe fundos extra para reformar bunkers, 100 milhões de coroas suecas [R$ 53 milhões] por ano”, disse à Folha a coordenadora de imprensa do órgão, Elin Bohman.
Questionada acerca dos relatos da imprensa sueca de que a rede seria ainda mais ampliada, ela afirmou que a criação de novos abrigos é uma decisão do governo sueco e de sua área militar, contudo.
Estocolmo distribui com regularidade manuais sobre como se comportar em caso de bombardeio. Segundo o analista militar Mikael Holmströn, o país tem uma percepção mais aguda do risco de ataque russo do que seus colegas europeus.
“Depois da Guerra Fria, a Suécia manteve a maior parte de sua capacidade de coleta de inteligência e análise de ameaças. A sua pequena frota de submarinos segue ativa nesse trabalho”, afirmou à reportagem.
A indústria de defesa sueca também seguiu forte, como a venda de caças para o Brasil prova. “O único serviço que foi totalmente desmontado era o de defesas costeiras, com seus canhões dentro de instalações contra guerra nuclear de três andares, cavadas na rocha”, conta. O gasto militar sueco tem crescido e está em 2,14% do PIB.
Na Rússia, segundo a imprensa local, Putin determinou a revisão das condições dos bunkers desenhados contra guerra nuclear no ano passado, mas não há números conhecidos, apenas casos anedóticos. Em Krasnodar, por exemplo, o equivalente a R$ 1,5 milhão foi gasto para renovar os bunker em 2023.
Diferentemente de países como a Letônia e a Lituânia, onde vários bunkers soviéticos são abertos para visitação, há apenas um conhecido na Rússia, o Bunker-42, em Moscou.
IGOR GIELOW / Folhapress