Temos que imaginar o futuro, não reescrever o passado, diz Joca Terron

PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – O encontro entre o escritor brasileiro Joca Reiners Terron e o colombiano Juan Cárdenas na Flip, em Paraty, na tarde desta quinta-feira (10), foi um debate sobre as dificuldades de se produzir literatura hoje –seja por pressões do mercado ou modas literárias em voga– e uma defesa da imaginação. A conversa teve a mediação da escritora Noemi Jaffe.

“Não me vejo como catastrófico, me vejo como um pessimista utópico”, riu Joca. “Vocês hão de convir que é um tempo difícil para se produzir literatura.”

O autor lembrou como, antes, a literatura carregava consigo uma ideia de permanência, com livros que, ao menos em tese, sobreviveriam depois da morte de seus autores.

“Nossa geração produz literatura num momento em que a ideia de futuro se achata cada vez mais, um momento em que esse motivo da produção artística, da permanência, cada vez é menor”, acrescentou.

Os melhores pontos da conversa se equilibraram entre críticas ao achatamento da ficção e uma defesa de se buscar uma expressão realmente inventiva na literatura.

“O mercado tem um poder que nunca teve no campo literário”, disse Cárdenas. “O mercado está condicionando nossa maneira de pensar e falar. Mesmo dentro da academia, que antes produzia um arsenal de ideias independentemente do mercado.”

Entre modas literárias correntes, os dois passearam em campo minado ao criticar de forma sutil abordagens da literatura focadas na identidade –embora não tenham mencionado tal palavra.

Cárdenas disse que os autores estão obcecados com a ideia de “boa representação” e que isso faz mal para a ficção. Ele também fez uma defesa da ideia de universalidade, conceito fora de moda nos círculos intelectuais por ser muitas vezes visto como colonial.

“Virou um tabu falar de universalidade. Os escravizados haitianos fizeram uma revolução pensando na ideia de universal. Roubaram a ideia dos franceses, mas quiseram fazer uma universalidade real. Agora, há uma obsessão pelo particularismo”, afirmou o colombiano. “Defendo uma universalidade que contemple a diversidade, que venha do povo.”

Terron, por sua vez, lembrou que cresceu durante a ditadura e de como os militares adotaram ideias raciais em prol do embranquecimento do Brasil. Mas sustentou que o país peca em não buscar o lado positivo de se ver como um povo mestiço.

“A busca pelo singular afeta uma noção de representação que é complicada”, disse. “Por que um livro escrito por fulano precisa ser traduzido por fulano? Se eu for ver ‘Hamlet’ com Edson Celulari, vou esquecer que ele é um brasileiro nascido em Bauru.”

Os dois não ficaram só nas críticas, mas buscaram apontar soluções –bem ao estilo do pessimismo utópico. Terron o fez quando foi provocado pela mediadora a falar sobre sua defesa da ideia de vanguarda literária.

“Me sinto bobo de falar de vanguarda num ambiente que parece tão conservador, com formas antigas”, disse ele. “Vejo isso nas oficinas literárias. Nos primeiros livros, os alunos querem contar a história de suas avós, que no fundo são mulheres muito parecidas com tantas outras.”

O autor entende o desejo, mas afirmou que ele é uma tentativa fútil e equivocada, uma ideia da literatura “como algo fixado e que não pode se transformar”.

“Defendo buscar uma escrita diferente dessa ideia de retratar o que é irretratável”, disse. “Falei há pouco em pessimismo utópico. E ele tem a ver com essa impossibilidade, cada vez mais patente nos romances, da nossa capacidade de imaginar. A ficção tem um papel em nos ajudar a imaginar. Precisamos imaginar o futuro e não reescrever o passado permanentemente.”

Perto do final, Noemi Jaffe, que fez uma mediação bem sintonizada com os dois autores, pareceu resumir a conversa ao lembrar uma frase de outro convidado da Flip, o senegalês Mohamed Mbougar Sarr: “Ele diz que, quando vê que algum livro é sobre alguma coisa, ele para de ler. Na literatura, são as coisas que falam para nós.”

MAURÍCIO MEIRELES / Folhapress

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