Temos que usar o melhor da ciência para preservar a Amazônia, diz diretor da Nasa

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em missão no Brasil para costurar acordos entre o país e os Estados Unidos, o diretor da Nasa, Bill Nelson, afirma que o governo de Joe Biden quer pôr a Amazônia no centro da cooperação entre as duas nações.

Nelson relata que as tratativas com o presidente Lula (PT) envolvem o uso de mais satélites e o compartilhamento de informações produzidas pela agência espacial americana. Ele também defende a criação de uma nova matriz econômica nas regiões que atualmente dependem da exploração ilegal dos recursos naturais.

“Se destruirmos essa diversidade biológica e ecológica única, de animais e plantas, destruímos o planeta Terra. Preservá-la é nosso principal objetivo. E como? Usando o melhor da ciência que temos”, diz à reportagem.

Nelson e Lula se reuniram por mais de uma hora nesta segunda-feira (24), junto com a embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Frawley Bagley.

O diretor defende que a Nasa envie em tempo real informações produzidas por seus satélites para a Agência Espacial Brasileira e que a agenda ambiental é um ponto de convergência entre o atual governo brasileiro e o de Biden.

O ex-senador dos EUA também critica a China por não dar transparência ao seu programa científico e entende que o mundo vive atualmente uma nova corrida espacial, como quando americanos e soviéticos disputavam o domínio da órbita planetária.

“Eles [chineses] disseram que também estão indo para a Lua, então temos uma corrida espacial”, completa.

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PERGUNTA – Sobre o que o sr. e Lula conversaram?

BILL NELSON – Eu comecei o encontro presenteando Lula com uma fotografia de uma espaçonave, que [a própria espaçonave] tirou uma selfie dela mesma na qual ao fundo está a Lua e, mais ao fundo, o planeta.

Presenteei ele com essa foto junto com imagens da espaçonave brasileiro-americana, do litoral brasileiro e da boca do [rio] Amazonas, vistos do espaço, e duas bandeiras, uma de cada país, que estiveram na órbita.

Mostrei para ele registros dos nossos satélites [de monitoramento] da Amazônia que mostram onde estão os incêndios florestais, onde está o desmatamento.

Ele também brincou se poderia viajar ao espaço com 77 anos. Eu disse: “De toda maneira!”.

P – E o Lula fez algum pedido a vocês?

BN – Não exatamente um pedido, mas estávamos falando de uma parceria, que irá começar amanhã [nesta terça], no evento com a ministra da Ciência [Luciana Santos], em São Paulo. Ele quer que ela siga negociando os detalhes.

P – E o que será essa parceria?

BN – Nós temos satélites que dão um detalhamento extremamente preciso do que está acontecendo.

Por exemplo, um que é capaz de ver através de um dossel florestal [quando as copas de árvore criam um teto que impede que se veja de cima], alcançando um local que de outra forma não seríamos capaz de ver, e determinar o que está acontecendo com a vegetação abaixo da copa dessas árvores: se a vegetação está doente, se há chance de um incêndio ou se a vegetação está se regenerando.

Podemos fornecer informações sobre o que está acontecendo, por exemplo, com o solo de uma fazenda. A umidade, doenças em plantações, esse tipo de coisa, para que os fazendeiros possam investir com mais inteligência, saber o que plantar, como eles precisam irrigar com base em informações muito detalhadas sobre o que está acontecendo com a terra.

Espero que fechemos parcerias como essa no Brasil. Lula é conhecido por ajudar as pessoas que precisam ganhar a vida. Ele sabe que, para vencer a luta para preservar a floresta amazônica, precisa ajudar essas pessoas, para que elas não sigam derrubando as árvores.

Então informações desse tipo podem ser compartilhadas com governos locais e até fazendeiros.

E fazemos isso por meio da US AID [Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional]. Acho que o Brasil é perfeito para este programa e espero ver mais desse tipo de parceria como resultado dessa minha visita.

P – Qual é a visão da Nasa sobre a situação da Amazônia?

BN – Nossa maior preocupação é que as pessoas parem de derrubar as árvores. Imagine quanto de carbono todas essas árvores podem absorver?

Se destruirmos essa diversidade biológica e ecológica única, de animais e plantas, destruímos o planeta terra. Preservá-lo é nosso principal objetivo. E como? Usando o melhor da ciência que temos.

E ao mesmo tempo, como ele [Lula] deixa claro, dando ao povo uma forma alternativa de ganhar a vida que não derrubar árvores para fazer plantações ou criar gado. Nosso objetivo é ajudar com esse processo.

Essa não é a solução para tudo, isso vai muito além da Nasa. Você precisa dar às pessoas um caminho para se sustentar, para vender suas plantações, conseguir empregos em outras áreas para que não tenham que derrubar a floresta. Elas precisam de educação para que consigam trabalhos e salários dignos.

É um problema social complexo, mas a Nasa pode fazer a sua parte.

P – A agenda ambiental aproxima Lula do presidente dos EUA, Joe Biden?

BN – Com certeza. E essa é a razão de tudo que discutimos. Você não pode resolver os problemas da Terra se não resolver os problemas da Amazônia. A minha visão é de que vocês têm um governo no qual uma das principais agendas é preservar e reduzir a destruição da floresta amazônica. Com certeza eles discutiram isso quando conversaram, em fevereiro, e vão conversar seriamente, em algum momento no futuro.

Essa é uma das razões pelas quais eu estou aqui, como parte do governo Biden. O senador Chris Dodd é o melhor amigo do presidente Biden e também o enviado do governo para a América Latina. Ele já conversou diversas vezes com Lula e essas conversas vão continuar. Temos agora conferências internacionais nas quais certamente eles [os presidentes] vão se ver.

P – A Nasa tem planos para parcerias com a Agência Espacial Brasileira?

BN – Nós vamos falar sobre isso amanhã, mas o que estou contando faz parte disso. Especificamente sobre uma cooperação científica é o que ainda vamos discutir, mas o satélite que está na foto que dei ao Lula é feito pelo Brasil e pelos Estados Unidos, então com certeza discutiremos alguns projetos conjuntos para o futuro.

Recentemente, o Brasil assinou o acordo de Artemis, que trata do uso pacífico do espaço especialmente agora que estamos retornando à Lua, para aprendermos como chegar até Marte.

Também vamos discutir o seguinte: [a Nasa] cria informações geradas a partir de 25 satélites, informação que chega à Terra em tempo real e é transmitida dentro de nossas instalações.

Padrões climáticos, temperatura da superfície da Terra, correntes oceânicas, padrões de dióxido de carbono, de gás metano… tudo em tempo real, com satélites que dão uma volta na Terra a cada 90 minutos.

A Agência Espacial Brasileira precisa ter essa informação. Essa é uma das coisas que vamos debater amanhã [nesta terça-feira].

P – Atualmente tanto Estados Unidos quanto a China estão tentando chegar à Lua. Há uma nova corrida espacial?

BN – Nós [EUA] vamos para a Lua ano que vem, pela primeira vez em meio século. E nos últimos dez anos, os chineses melhoraram muito [nesta área]. Eles são muito secretos, o programa espacial deles é basicamente militar -embora eles digam que não.

Eles não são transparentes. Por exemplo: quando lançaram sua base espacial, seus foguetes não tinham combustível para fazer uma reentrada controlada [na atmosfera]. Então cada 1 dos 3 propulsores [que levavam as partes da base para o espaço] retornou ao planeta e eles não divulgaram as coordenadas de onde eles iriam cair.

Primeiro achamos que seria na Grécia, depois parecia que era na Arábia Saudita e, por sorte, no caso do segundo foguete, ele acabou caindo no Oceano Índico, não acertou ninguém. Mas em nenhum momento eles falavam sobre isso, são sempre muito secretos. Eles disseram que também estão indo para a Lua, então temos uma corrida espacial. A corrida espacial é com a China.

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RAIO-X

Bill Nelson, 80

Membro do partido democrata, foi deputado no Congresso dos Estados Unidos pela Flórida, de 1979 a 1991, e, depois, senador democrata, de 2001 a 2019. Serviu na Guerra do Vietnã, viajou ao espaço em 1986 e, em 2021, foi escolhido por Joe Biden como administrador da Nasa.

JOÃO GABRIEL / Folhapress

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