SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A alta rejeição de Guilherme Boulos (PSOL) e a imagem de “invasor” e “extremista” associada a ele justificam em parte o desempenho similar do político nas eleições de 2024 e nas de 2020, mesmo após unificar os maiores partidos e esquerda numa campanha de mais de R$ 80 milhões em gastos. A avaliação é de cientistas políticos, aliados do PSOL e PT ouvidos pela reportagem.
Boulos ficou com 40,65% dos votos válidos no segundo turno das eleições de 2024 para prefeito de São Paulo, perdendo para Ricardo Nunes (MDB), que ficou com 59,35%. Em 2020, o psolista alcançou quase a mesma porcentagem, 40,62%, contra 59,38% de Bruno Covas (PSDB), de quem Nunes era vice.
Nas eleições atuais, porém, Boulos teve uma receita equivalente a mais de oito vezes a quantia disponível na campanha de 2020. Há quatro anos, sua campanha custou R$ 7,5 milhões (em valores corrigidos pela inflação, R$ 9,7 milhões). Ele também teve mais tempo de televisão, com 2 minutos e 22 segundos em cada uma das edições do horário eleitoral no primeiro turno contra inserções de 17 segundos em 2020.
Dinheiro e tempo que não foram suficientes para conseguir reduzir a rejeição ao deputado federal do PSOL. Segundo o Datafolha, 52% dos eleitores diziam que não votariam nele de jeito nenhum.
Aliados acreditam que Boulos consolidou um piso de votos expressivo. Com mais de 2,3 milhões de eleitores no segundo turno, o deputado reforçou um patamar que o credencia para outras disputas e reforça sua posição como um dos novos líderes da esquerda no país.
As explicações para a estagnação na votação vão desde pôr a culpa nos adversários, com o discurso de que a campanha enfrentou poderosas máquinas governamentais e partidárias, até uma ofensiva digital embasada em ataques e mentiras. Há quem admita que a esquerda precisa estreitar o diálogo com camadas da população como os empreendedores e trabalhadores de aplicativos.
Outro ponto citado como justificativa para o cenário praticamente idêntico ao de 2020 foi o desinteresse pela política, expresso pelo índice recorde de abstenção (31,54%) no segundo turno. Em números absolutos, o contingente que deixou de ir votar foi superior ao dos que optaram pelo representante do PSOL.
Paula Coradi, presidente do PSOL, afirma que a eleição foi uma batalha dura, que pode ter desmotivado a população. “Essa forma de fazer política, de descredibilizar e sempre pôr em dúvida, gera um cansaço na população em relação às formas de representação”, diz.
Uma ala de petistas avalia que Boulos deveria migrar do PSOL para o PT para tentar garantir um cargo no Executivo. A expectativa é que isso seria uma forma de mudar a imagem de “radical”, uma vez que a bancada petista na Câmara é vista como flexível.
Em nota, a direção do PSOL de São Paulo cita que a campanha foi uma grande batalha contra o “uso da máquina pública, abuso do poder político e parcelas da grande mídia e da elite paulistana e brasileira”. Apesar de não ter eleito nenhum prefeito, o partido diz que saiu maior.
“O futuro está ao nosso lado”, diz. A sigla se debruça no fato de que, no primeiro turno, recebeu mais de 10% dos votos de vereadores em São Paulo, o que confirma “o importante trabalho legislativo do partido que ampliou seu número absoluto de votos”.
Nesta segunda-feira (28), Boulos escreveu em suas redes sociais que alguns vão concluir que a esquerda tem que recuar mais e ceder em nossas visões de mundo. Ele discorda. “Não foi assim que o bolsonarismo ganhou parte importante da sociedade”, prosseguiu ele, que explorou a aliança entre Nunes e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para tentar derrotar o adversário.
Para Sérgio Praça, professor da Escola de Ciências Sociais da FGV (Fundação Getúlio Vargas), apesar da porcentagem similar de votos, é difícil comparar os pleitos de 2020 e 2024, uma vez que cada eleição teve conjuntura diferente.
Enquanto 2020 foi marcado pela pandemia, o pleito de 2024 teve a atuação de atores que reconfiguraram o cenário político de maneira destacada, a exemplo do que fez Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PRTB que teve 28,14% de votos no primeiro turno.
O mau desempenho de Boulos, afirma o especialista, também se relaciona com problemas internos de campanha. Um deles seria a estratégia inadequada nas redes sociais, que adotou um tom “infantilizado” ao falar com os eleitores, na opinião de Praça. “É bem possível imaginar que, não fosse o dinheiro investido na campanha, ele sequer teria ido para o segundo turno”, diz.
O principal fator que fez repetir o desempenho do psolista, entretanto, seria sua alta rejeição e o perfil de São Paulo, resistente a figuras como a do deputado. Com histórico de atuação em movimento social, ele é rotulado por adversários como “invasor de casas”.
Para o cientista político Elias Tavares, o resultado mostra que mais dinheiro não se reverte necessariamente em votos. Também para ele, Boulos esbarrou em ambas as eleições no teto que consegue alcançar devido à alta rejeição que tem.
Pessoas próximas à campanha de Boulos citam a presença de Marçal como uma surpresa que o obrigou a repensar suas estratégias, antes focadas nas denúncias contra Nunes. Em um primeiro momento, foi preciso entender a força do influenciador para então calcular como sobreviver a ele.
A presidente do PSOL diz que Marçal também contribuiu para naturalizar a imagem de Nunes. “Causou um estresse, que as pessoas talvez consideraram que o maior risco já tinha passado. Ele naturalizou essa gestão horrorosa do Ricardo Nunes”, afirma Coradi.
ANA GABRIELA OLIVEIRA LIMA, ISABELLA MENON, CARLOS PETROCILO E JOELMIR TAVARES / Folhapress